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Parte 2: Um personagem chamado Hokusai

キャラクターとしての北斎

Desde os anos 1970, Hokusai vem fazendo numerosas aparições como personagem numa série de mangás. Não nos surpreende que a fisionomia desse personagem difira significantemente dos retratos da era Edo. As primeiras imagens, feitas pelo próprio Hokusai ou pelos seus colegas artistas, variam consideravelmente, mas todas o mostram como um idoso. [Nos 17-23]. Em contraste, as narrativas contemporâneas de mangá apresentam Hokusai de diversas formas, abrangendo uma ampla variedade de idades sejam reais ou fantasiosas, e compreendendo estilisticamente desde uma representação realista até uma visão de fã. Assim, como personagem, Hokusai não apenas evidencia uma mudança histórica no mangá, mas também a existência simultânea de categorias específicas de idade e gênero, best-sellers comerciais e títulos alternativos, ficção de entretenimento e publicações educacionais.

 

Representações no Hokusai Manga

Nos anos 1970 quando o mangá amadureceu econômica e culturalmente, Hokusai começou a emergir nas revistas comerciais de mangá para adultos e especialmente para leitores masculinos, genericamente categorizados como “gekiga” (narrativas gráficas dramáticas) ou “seinen manga” (mangá para jovens). A personalidade de Hokusai assim como sua vida longa e movimentada ofereciam matéria não apenas para um personagem complexo mas também para uma releitura o início da moderna Edo, e ocasionalmente até acesso aos mecanismos internos da produção de ukiyo-e. Como ponto de partida, esta exposição se inicia com seis imagens de mangá de Hokusai em ordem cronológica. A primeira imagem foi tirada de Paixão Furiosa /Kyōjin Kankei de Kamimura Kazuo (1940-86), gekiga serializado pela Manga Action 1973-74 [No 24]. O centro das atenções aqui não é nem o gênio nem o ecêntrico, mas o artista envelhecendo. A narrativa se passa em meados de 1839, como pode ser inferido pelo nome do protagonista Miuraya Hachiemon, que o artista usou realmente entre 1834-46, e de sua situação, morando junto com sua filha Oei.

Em Sarusuberi (Resedá, ou Lagerstroemia, 1983-87), Sugiura Hinako (1958-2005) introduz Hokusai como um artista diligente e humilde [No 25], reminiscente da árvore no título do mangá que aparece apenas verbalmente — por meio do famoso verso da poeta Kaga no Chiyojo (1703-75) — no frontispício do primeiro capítulo. Para Sugiura não era exceção mas a regra contar histórias de Edo. Entre 1980 e 1993, ela fez isso em forma de mangá, mas um tipo de mangá que se esquivava das convenções habituais do gênero relacionadas a idade e gênero. Embora o seu Sarusuberi tenha sido serializado na Manga Sunday, uma revista mensal para leitores masculinos maduros, não se parece com gekiga, e apesar de focalizar o mestre principalmente pelos olhos de sua filha, um estilo distintamente feminino ou de menina (shōjo) também não sobressai. O próprio mangá indica 1814 como ano no qual a história se desenvolve, o que pode ser confirmado no Capítulo 4, onde o primeiro volume do “Manual do Mestre Hokusai” — o Manga — faz uma breve aparição.

Em 1987, Ishinomori Shōtarō (1938-98) lançou sua versão da vida de Hokusai em três volumes de capa dura. Cada capítulo introduz a origem de um trabalho famoso, incluindo o Hokusai Manga [No 26]. O painel selecionado mostra o mestre pintando dois pardais em grãos de arroz numa tentativa de criar a menor pintura do mundo. Embora destacando Hokusai como um personagem heróico e concentrando-se profundamente nas convenções de “shōnen manga” (quadrinhos para meninos), sua narrativa gráfica se posiciona como um quadrinho educacional (gakushū manga), pois foi produzido diretamente em forma de livro sem uma serialização prévia em revista e por um editor não especializado em mangá que intitula seus poucos lançamentos não de “manga”, mas de “komikku”(comic, ou quadrinhos) em japonês.

Espada do Imortal (Mugen no Jūnin, na Monthly Afternoon, 1993-2012) por Samura Hiroaki (*1970) é um globalmente renomado seinen manga, famoso não apenas por sequências de lutas de espadas e vilões complexos, mas também por ser o pioneiro em edições em inglês não-“invertidas”, ou seja, traduções que mantêm a direção de leitura japonesa sem inverter a ordem. Apenas alguns poucos fãs, entretanto, conseguem perceber que o personagem secundário, Mestre Sōri, que já aparece no volume 1 (dos 30 no total), se refere a Hokusai [No 27]: o artista de fato assinava e usava um carimbo com esse nome entre 1795 e 1804.

Sakura Sawa, ou Mitsuko, como ela também se auto-denomina, publicou de maneira independente pequenas tiras apresentando artistas famosos de ukiyo-e primeiro online, antes de vê-las editadas num livro em 2009. A homenagem dela a Hokusai envolve rejuvenescimento e estetização, vagamente reminiscente do mangá Boys Love, um subgênero com seus próprios e devotados fãs, nascido dos quadrinhos para meninas [No 28]. Feminina e deliberadamente fã inveterada, a obra de Mitsuko aparece para esclarecer de maneira paródica o fato de que as versões fictícias modernas de Hokusai foram na maioria machistas, incluindo no campo do mangá. Para o frontispício da Parte 2 de nossa exposição, ela criou uma imagem em tamanho natural de Hokusai, apoiando-se sobre um retrato similar no seu livro Correntes Contemporâneas do Pensamento sobre Ukiyo-e: Até um Coração Sensível se Apaixona (Tōse ukiyoe ruikō: Neko jita gokoro mo koi no uchi, Fusion Product, 2009; →ver também No 102).

Saeki Kōnosuke (*1986) também apresenta um jovem Hokusai no seu Adandai: O demônio pintor (Adandai: Yōkai eshi-roku hana nishiki-e, em Gessan/Revista Mensal Shōnen Sunday, 2012-13) [No 29]. A relação da série com o gênero de mangá para meninos é evidente não apenas no site da publicação, mas também pelo desenho dos personagens, em particular o corte de cabelo e a faixa para prender o cabelo. Como em Paixão Furiosa, o protagonista leva o nome de Miuraya Hachiemon, mas com os monstros tradicionais do Japão (yōkai, em japonês) ameaçados de cair no esquecimento, ele neutraliza um após o outro com a promessa de imortalizar seus nomes e aparências num rolo de pintura. Na realidade, Hokusai abordou um projeto de xilgravuras coloridas — Cem Histórias Sobrenaturais (Hyakumonogatari) – em 1831. Mas como ele de fato representava os yōkai raramente pode ser visto no mangá.

 

Hokusai em Mangá

Como os seis recortes sugerem, o mangá moderno não se limita a um estilo de ilustração uniforme. Mas ele também não pode ser reduzido a imagens únicas. Desde os anos 1950, o mangá vem atraindo o interesse principalmente como material de leitura. Consequentemente, existe apenas uma maneira de compreender sua força: mergulhando na narrativa e experimentando o movimento. A exposição apresenta algumas pequenas sequências, extraídas de extensas séries de revistas, para aludir à forma de narrativa como potencial central do mangá moderno. Devido a restrições físicas de uma exposição itinerante mundial assim como de direitos autorais, apenas as versões japonesas originais são expostas. Embora isso dificulte a experiência de leitura em termos linguísticos (pelo menos para os visitantes que não tenham o domínio da língua japonesa), no nível visual, é a verticalidade da mostra que pode dar uma impressão significantemente diferente daquela que se tem ao folhear uma revista de mangá, onde o leitor pode começar a ler no canto superior direito e terminar no da esquerda lá embaixo, antes de virar a página para ir para cima novamente para continuar a leitura no canto superior direito.

Composto de cinco sucessivas páginas duplas, a primeira sequência de Shōtarō Ishinomori descreve o que foi sem dúvida o mais famoso espetáculo público de pintura (sekiga, em japonês) de Hokusai [No 31]. Organizado por seu editor para promover os volumes 6 e 7 do Hokusai Manga, Hokusai executou uma imagem de 250 pés quadrados (cerca de 23 metros quadrados) da divindade budista Dharma (Daruma) ou Bodidharma, em Nagoia, em 1817, e o feito foi anunciado num folheto que Kyoshin Iijima reproduziu na sua biografia de Hokusai de 1893 [No 30]. O mangá justapõe a ação real com imagens de ukiyo-e numa forma que sugere que os espectadores representados estão se associando às gravuras já familiares e às pinceladas resultantes, tentando adivinhar a forma definitiva, apenas para serem surpreendidos no final. Mas as pinceladas não apenas ecoam o contorno de um quimono ou de um barco, elas também guiam o olhar do leitor pelas páginas junto com o pincel gigante, os pilares da ponte e as tábuas.

O segundo exemplo consiste de oito páginas tiradas do volume 1 de Espada do Imortal [No 33] de Samura. Ele apresenta o Mestre Sōri, um artista obsessivo que pratica “pintura de espada” amarrando seu pincel a uma espada. O rolo de pendurar com o qual ele se debate na sua primeira página dupla exibida é realmente um de Hokusai, Bunshōsei-zu (A Estrela do Acadêmico ) [No 32], executado em 1843, décadas depois do contexto dessa história. De acordo com Seiji Nagata, especialista em Hokusai, a pintura em questão apresenta a primeira estrela da Ursa Maior que representa a divindade dos estudos acadêmicos (2011: 412): com um pincel de escrita na sua mão direita e um recipiente de madeira quadrado de medição na sua mão esquerda, a divindade olha para as outras seis estrelas no céu. No mangá, o Mestre Sōri está apenas contemplando a deficiência de sua pintura, quando um duelo se desenvolve fora do seu aposento. Um homem é apunhalado, e seu sangue espirra na superfície da pintura dando à obra seu toque final.

O próximo exemplo apresenta uma sequência de quatro páginas duplas sucessivas, e em cima delas, outra que mostra Hokusai com sua filha Oei e o companheiro Sutehachi, filho de uma família de samurais, que está em vias de ganhar renome como autor de gravuras eróticas [No 35]. Este discípulo age aparentemente como o alter ego do artista de mangá Kazuo Kamimura, que ganhou notoriedade tanto por sua excelente habilidade como desenhista e as desinibidas representações de sexualidade. Em 1967, ele estreou na revista Playboy japonesa onde poucos anos depois seu Lady Snowblood (baseado num roteiro de Kazuo Koike) também foi serializado. Concomitantemente , ele publicou Dōsei Jidai (Era da Coabitação) na Manga Action, a então escandalosa história de um casal não oficialmente casado no Japão contemporâneo. Kamimura se dedicou a narrativas realistas, e isto deve ter deixado uma marca em Jirō Taniguchi e Hitoshi Iwaki, que foram por um tempo seus assistentes. A inclinação particular de Kamimura para com a realidade se manifesta também nas suas descrições gráficas das funções fisiológicas, que podem afugentar os leitores contemporâneos de mangá. Além disso, um dos principais temas do Paixão Furiosa é o relacionamento entre artistas. Além do seu discípulo Sutehachi, Hokusai se sente especialmente incomodado pelo seu rival Utagawa, ou Andō, Hiroshige (1797-1858). Na última página apresentada nesta exposição, o mangá cita a gravura Ushimachi no Distrito de Takanawa (Takanawa Ushimachi) de Hiroshige, No. 81 da série Cem Vistas Famosas de Edo (Meisho Edo hyakkei) [No 34]. Contudo, esta gravura foi de fato publicada em 1857, cerca de oito anos depois da morte de Hokusai.

Sarusuberi de Hinako Sugiura consiste de trinta capítulos esporádicos que proporcionam observações atmosféricas em vários aspectos da vida de Hokusai, mas é caracterizado pela contenção a respeito do uso de dramatização do tipo mangá, apenas raramente empregando linhas rápidas, pictogramas, palavras sonoras e close-ups. Evoca uma distância respeitosa: o passado pode ser observado, mas não facilmente consumido. Devido à importância da obra de Suguiura, a exposição introduz dois exemplos. Primeiro, apresentamos quatro páginas duplas contínuas tiradas do Capítulo 20 intitulado “Doença do Espírito Errante” (Rikonbyō; 23 páginas + frontispício) [No 37]. Hokusai e seu amigo Hachizō visitam a zona de prostituição autorizada Yoshiwara a fim de verificar os rumores sobre a cortesã de alta classe Sayogoromo. Ela lhes concede permissão para passar a noite no quarto ao lado do seu até que eles ouçam um pequeno sino. E de fato, eles testemunham o alongamento do seu pescoço e sua perambulação, parando finalmente perto do mosquiteiro. Quando Hokusai aponta para a possibilidade de sua cabeça talvez não voltar um dia para seu lugar, ela demonstra indiferença. Assim, a ideia central do episódio se revela como o próprio espetáculo, que afirma que os dias de muito calor são propícios a aparições de seres sobrenaturais e de manifestações fantasmagóricas. Enquanto outros capítulos da série Sarusuberi destacam o poder mágico das próprias imagens, esta exibe a aptidão de Sugiura para narrativas visuais através de um motivo amplamente partilhado no fim da era Edo, e que a Hokusai Manga também exibe. [No 36].

 

Pelos olhos de Sugiura Oei

A adaptação da série de Sugiura para um longa metragem de animação– Sarusuberi: Miss Hokusai (do diretor Keiichi Hara, Produção I.G, 2015) [No 39] – inclui o episódio do pescoço sonâmbulo assim como um segundo exemplo, “Dragão” (Ryū) [No 43]. Inicialmente o Capítulo 5 do mangá e consistindo de 21 páginas além do frontispício, a exposição apresenta as primeiras duas páginas duplas, seguidas por uma terceira — a penúltima a fim de dar visibilidade à terceira filha de Hokusai, Oei, que era uma pintora renomada reconhecida especialmente pelo uso das cores e pelo desenho detalhado de mãos. Uma de suas pinturas mais famosas é Três Mulheres Tocando Instrumentos Musicais (Sankyoku gassō zu, c.1818-44) [No 40], que representa um encontro ideal de mulheres de diferentes classes sociais, simbolizadas por um violino chinês tocado com um arco, o shamisen japonês tocado com uma palheta, e a harpa koto, mas também por diferentes gaus de extravagância na indumentária. A artista assinou seu trabalho como “Katsushika Ōiou “Eijo” 栄女, mas ela é mais amplamente conhecida como Oei お栄, uma combinação do seu nome Ei e o prefixo honorífico “O” que era usual para os nomes femininos na sua época.

No início de “Dragão,” algumas cinzas quentes caem do cachimbo de Oei e na quase completa pintura do seu pai. Hokusai não diz nada, mas risca a imagem, de maneira que o lacaio do cliente vai embora de mãos vazias. A fim de se redimir por sua negligência, Oei passa a noite recriando a pintura, com um dragão que espreita no céu enfurecido. Na manhã seguinte, o discípulo e companheiro de Hokusai, Zenjirō (o futuro artista Keisai Eisen, 1790-1848; →cf. Nos 22, 76) acorda na taberna onde os homens passaram a noite, e ao entrar na casa de Hokusai encontra o novo dragão olhando estranhamente para ele, quase como o dragão no volume 2 do Hokusai Manga [No 42]. Enquanto isso, o mestre e sua filha dormem tranquilamente no lado esquerdo inferior do painel.

Para seu mangá Hinako Sugiura consultou estudos modernos. Devido à falta de registros históricos, a maioria dos autores presume que Oei nasceu por volta de 1801 e morreu em 1860. Sarusuberi, porém, apoia-se na pesquisa de Yoshikazu Hayashi a partir de meados de 1960, segundo a qual Oei teria nascido em 1791 (2012: 119). Isso faz com que a representação em seu mangá como uma jovem mulher solteira seja plausível. Quando exatamente Oei se casou e com quem, e quando ela se divorciou e voltou para a casa paterna, também não ficou comprovado por historiadores, mas alimentou a imaginação popular (ver por exemplo o romance de Katherine Govier). Como o recorte tirado do capítulo 10 atesta [No 38], Sugiura também citou pinturas da Era Edo, por exemplo, Na Morada de Hokusai (Hokusai kataku no zu, c. 1843-44) de Tsuyuki Kōshō, que é mais conhecido por seu nome artístico de Iitsu (?-depois de 1893) em japonês [No 41]. Sua descrição em palavras relata que nem Hokusai nem Oei se preocupavam com arrumação. Mas a fidelidade histórica do mangá não é sem limites: Hokusai aparece muito afável, Oei muito inocente e muito bonita. Devido à sua suposta cara desajeitada, ele costumava lhe chamar “Ago”, isto é, pelo apelido derivado de seu queixo (ago, em japonês) aparentemente proeminente. No todo, Sarusuberi apresenta um mundo acolhedor, divertido e bonito. Bagunçado como devia ser o quarto de Hokusai, não parece nunca ser malcheiroso, e a censura contra ukiyo-e também não aparece.

 

Representações no Kuniyoshi Manga

Quase da mesma idade que Oei, outro artista, que é benquisto pelos criadores contemporâneos de mangá, é apresentado de maneira proeminente na exposição: Utagawa Kuniyoshi (1797-1861). Nas Partes 1 e 4, suas obras servem como exemplos contrastantes que ajudam a esclarecer a particularidade do Hokusai Manga e dessa forma o fato que a suposta tradição dos quadrinhos japoneses contemporâneos não eram homogêneos em si. Distintamente do velho Hokusai, Kuniyoshi deixou sua marca nos gêneros de guerreiros legendários (musha-e; →cf. Nos 44, 86) e de pintura humorísticas (giga; →cf. Nos. 11, 12, 54, 85). Com suas vibrantes visualizações de heróis em batalhas, ele atraía um novo grupo de consumidores, os operários de Edo, bombeiros e artesãos, seus animais antropomorfizados popularizaram o renomado amante dos gatos em todos os gêneros e classes.

Cinco gatos rodeam o artista em seu autorretrato pintado de costas, que apareceu no último volume de Ameixas da base do leito (Chinpen shinkeibai, 1838) [No 46], uma ficção erótica baseada no clássico chinês A Ameixa no Vaso Dourado (Jin Ping Mei). Proibidas repetidamente, as produções eróticas eram uma fonte importante de renda para muitos artistas ukiyo-e, incluindo Hokusai e Oei. O croquis de Kawanabe Kyōsai, que recebeu treinamento no estúdio de Kuniyoshi desde criança (→see No 16 para outro trabalho seu), também emprega gatos para identificar o mestre: ele é o homem grande no meio da imagem à direita com um gato sentado no seu ombro esquerdo [No 47]. Esta tradição de caracterização persiste mesmo hoje, como evidenciam duas imagens de mangá em tamanho natural de Kuniyoshi, uma de Sawa Sakura, que também retratou Oei e Hokusai para a exposição, e outra de Okadaya Tetuzoh, cujo conto sobre Hokusai aparece na quinta parte. Duas páginas duplas do livro de Sawa Sakura sobre artistas ukiyo-e famosos (→cf. Nos 28, 100) associam os desenhos de gatos à afeição do artista por crianças [No 50]. Na primeira (pp. 80-81), Kuniyoshi se vira para sua filha mais nova descontente com o desenho, mas ela não está interessada em brincar a menos que ele lhe prometa um bonito quimono. Na terceira e última página dupla (pp. 84-85), sua esposa Osei o repreende por ter saído o dia todo com suas filhas e outras crianças, enquanto seu patrão estava lhe procurando. Ele responde que “ninguém vai reclamar mais, quando eu produzir uma boa pintura”, e fala para si mesmo “para poder desenhar crianças, você precisa brincar com elas”. Diferente do início, agora ele é bem sucedido em seu trabalho: “Finalizado!”

Em contraste, Okadaya descreve Kuniyoshi como chefe de um estúdio profissional exclusivamente masculino no seu mangá, que foi serializado primeiro no web magazine pocopoco, ou poco2 (março- dezembro 2011) [No 49]. As duas páginas duplas apresentadas na exposição — para variar, não verticalmente, mas horizontalmente, lado a lado — oferecem uma visão da ingenuidade do metre. Na primeira (pp. 54-55), ele e seus discípulos observam uma baleia gigante de perto; na segunda (pp. 62-63), a representação pictórica do mestre supreende os outros artistas: enquanto a baleia parece pular para fora da superfície da pintura, o lendário guerreiro Miyamoto Musashi, que, segundo a inscrição na gravura, “encontrou uma imensa baleia no oceano, e enfiando sua espada nas costas da criatura, a matou”, permanece pequeno sem nenhum traço de heroísmo, quase não identificável em meio às ondas quando visto de longe. Ele é apenas humano, afinal, como Kuniyoshi explicaria na página seguinte. Desta forma, o mangá adapta o famoso tríptico de Kuniyoshi: Miyamoto Musashi Mata uma Enorme Baleia (Miyamoto Musashi no kujira taiji, c.1847) [No 44]. Pela força das imagens de mangá, outro tríptico se torna mais facilmente perceptível: Corajoso Kuniyoshi com seu Desenho de Paulownia (Isamashiki Kuniyoshi kiri no tsui moyō, c.1848) [Nos 45, 48]. O homem à esquerda, liderando a parada e novamente retratado de costas, é Kuniyoshi, que, junto com seus discípulos, assim como suas duas filhas pequenas, celebra a independência do seu estúdio, e o novo carimbo de Paulownia como sua manifestação. A flor de Paulownia aparece não apenas na extrema esquerda da gravura, como o carimbo vermelho acima do ombro esquerdo de Kuniyoshi, mas também na própria representação, adornando o grande guarda-sol, quimonos, e alguns leques, enquanto outros portam os nomes dos discípulos.