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Artistas Contemporâneos de Mangá Revisitam o Hokusai Manga

『北斎漫画』再訪:現代日本のマンガ家たちが読み直す

A relação entre o Hokusai Manga e os quadrinhos japoneses contemporâneos é frequentemente assumida, mas raramente explorada no que diz respeito aos criadores atuais de mangá. O Hokusai Manga teve realmente impacto sobre eles? O mestre e sua obra continuam a estimular a criatividade? Que aspectos da arte ukiyo-e atraem a atenção? Sete artistas de mangá responderam a essas questões com trabalhos originais criados especificamente para esta exposição. Tomadas como um todo, as contribuições deles se enquadram em dois grupos principais: alguns dedicam-se aos aspectos formais do Hokusai Manga, enquanto outros demonstram uma profunda fascinação com o seu criador, o “velho louco por desenho” (gakyō rōjin), e a dimensão que transcende o tempo de sua atitude sobre desenhar qualquer coisa e tudo.

Todos os artistas participantes são autores com experiência em narrativas gráficas mais longas ou mais curtas que são primeiramente serializadas em revistas de mangá e depois republicadas em volumes encadernados (tankōbon, em japonês). Contudo, essas revistas não estão entre as principais forças comerciais do mercado de mangá do Japão; algumas como a Comic Cue (1994-2003) e a Ikki (2003-2014) já pararam de ser publicadas devido a tiragens que caíram abaixo de 10.000 cópias. Além disso, a maioria dos artistas apresentados aqui publicam mangá que fogem da classificação de acordo com os gêneros tradicionais específicos por idade e gênero. Numa maneira improvisada, a maioria tende a ser categorizada como seinen manga, mas seu público leitor atinge pessoas mais distantes do grupo-alvo inicial do gênero seinen de homens jovens, se bem que mais em termos de diversidade do que de quantidade. No âmbito da indústria, os trabalhos desses artistas ocupam uma posição entre as séries relacionadas a franquias de best-sellers que capitaliza nas atividades de fãs, e o pequeno grupo de produções alternativas frequentemente relacionadas com gekiga, que fora do Japão são apreciadas, entre outras coisas, pela crítica social. Sem confrontar o leitor com descrições desagradáveis nem servindo a eles incondicionalmente, essas narrativas gráficas são ao mesmo tempo atraentes e estimulantes.

Não havia intenção da parte dos organizadores de privilegiar um tipo específico de mangá em detrimento de outros. No entanto, a disponibilidade em colaborar por parte de artistas de mangá com uma instituição pública que organiza uma exposição não pode ser subestimada. Dadas as particularidades da indústria de cultura japonesa, os editores normalmente não estimulam os criadores a ir além do domínio da produção comercial e ligada intimamente aos fãs. Qualquer pessoa que tenha uma série semanal ou mensal sendo publicada numa revista é evidentemente muito ocupada. E os devotados leitores esperam das exposições em primeiro lugar e acima de tudo a confirmação e o aperfeiçoamento do que lhes é familiar, indo da exibição de desenhos originais até a venda de edições limitadas de artigos de merchandising. Dessa forma, nós apreciamos ainda mais os rolos originais e as páginas de mangá dos artistas abaixo, que apesar de tudo nos enviaram seus trabalhos.

 

しりあがり寿

SHIRIAGARI Kotobuki (*1958)

Caras Engraçadas (Hen na kao, 2015)

Desde sua estreia em meados de 1980, este artista conquistou renome como criador altamente imaginativo do chamado gag manga, num estilo deliberadamente rudimentar ou desajeitado (heta-uma, em japonês). Significando literalmente Sorte Ascendente, seu pseudônimo indica o entrelaçamento de insubordinação com bondade que caracteriza sua pegada nas questões sóciopolíticas por meio das representações da vida cotidiana. O mangá de Shiriagari apareceu numa variedade extraordinária de formatos desde o lançamento de seu primeiro livro em 1985; eles se estendem de narrativas gráficas serializadas como Yajikita Profundo (1997-2002, 8 vols) e Mangá Depois de 3.11 (Ano hi kara no manga, 2011), a primeiríssima reação ao triplo desastre de Fukushima numa revista de mangá, até a tirinha de jornal de quatro painéis As Pessoas da Família de Defesa da Terra (Chikyū bōei-ke no hitobito, desde 2002). Para a retrospectiva de Hokusai em Paris (2014-15), ele criou um curta metragem de animação Viagem de Hokusai, cujo personagem principal reaparece nas cortinas e no primeiro painel de nossa exposição. Além disso, ele contribuiu com dois rolos inspirados nas imagens de Hokusai Manga, como nos famosos seis painéis de caretas [No 88], os dois painéis intitulados “Vertical, Horizontal” [No 7], as máscaras no volume 2, ou o trovador cego no volume 8.

 

横山裕一

YOKOYAMA Yūichi (*1967)

Elefante Gigante (Kyozō, 2015)

Inicialmente um pintor a óleo e formado por uma prestigiosa escola de arte em Tóquio, Yokoyama se aventurou no campo do mangá por volta do ano 2000. Com livros como Nova Engenharia (Nyū doboku, 2004) e Viagens (Toraberu, 2006), muito dos quais disponíveis fora do Japão, ele deixou sua marca como um criador de quadrinhos longos que não possuem os requerimentos básicos de “manga proper,” como arcos de história para debater, personagens com quem empatizar, e ambientes do mundo real que podem facilmente oferecer-se tanto para os fãs e para apropriação comercial. Mas mesmo se as representações parecem sem sentido e permaneçam sem explicação, elas irradiam uma forte presença. Imagens chocantes arrastam o espectador-leitor para um fluxo envolvente, que se apoia precisamente na gramática do “manga proper,” a respeito dos painéis interrelacionados, visualizando o invisível, e dando prioridade à passagem do tempo. Isso se aplica também às 8 páginas disponibilizadas para a nossa exposição. Duas personagens de rosto redondo fazem uma viagem milagrosa ao longo da qual elas se modificam, pelo menos no que concerne ao visual de suas cabeças. Esta mudança é provocada principalmente por encontros com fenômenos curiosos como os retratados no Hokusai Manga, por exemplo, duendes de nariz comprido, extraterrestres com membros alongados, um poço numa árvore, e um ermitão cavalgando uma sombrinha, coisas que parecem atrair a atenção do artista não apenas pelo que representam, mas também pelas suas formas.

 

西島大介

NISHIJIMA Daisuke (*1974)

O Mar I (Umi I, 2015)

Nishijima estreou com um livro de mangá de ficção científica em 2004. Desde então ele se identifica com a produção de narrativas gráficas que combinam fofura, quase um visual do tipo “fan-service” (para agradar os fãs) com questões geopolíticas como a Guerra do Vietnã, na sua longa série Dien Bien Phu (desde 2006). Além disso, ele nunca se restringiu a publicar exclusivamente em revistas de mangá ou a produzir apenas narrativas gráficas. No trabalho artístico que criou para esta exposição, ele utilizou tanto suas habilidades pictóricas quanto as musicais: um personagem de sua série de mangá Um Mundo Gentil (sic!) (Subete ga chotto zutsu yasashii sekai, desde 2012) paira sobre um rolo vertical, animado pelo acompanhamento de uma música de piano. Composta e tocada pelo próprio artista, que também trabalha como “DJ Mahoutsukai” (feiticeiro, ou mágico), esta peça foi supostamente inspirada por La Mer de Claude Debussy e pelo fato que A Grande Onda de Hokusai adornava a primeira edição de suas páginas em 1905. O espectro do mangá, por outro lado, remonta àqueles “malvados” de cara redonda [Nos 10, 57] que eram tão populares no início do século 19 que Hokusai incluiu no seu manual ilustrado de instrução de dança Odori hitori geiko (1815). Contudo, mais do que essas referências é a impressão de movimento que conecta o rolo de Nishijima com o Hokusai Manga – e com Debussy, que visava a uma música atmosférica e não representacionalista.

 

五十嵐大介

IGARASHI Daisuke (*1969)

Uma pessoa desenha o mundo (Egaku hito, 2015)

A contribuição de Igarashi para esta exposição é um rolo colorido que mostra o “velho louco por desenho” numa roupa informal contemporânea, conforme ele representa o mundo em volta dele numa enorme página invisível com inscrições num espelho invertido. Intrigado, entre outras coisas, pela ideia do que Hokusai poderia haver visto na visita à sua recente retrospectiva em Paris, o artista de mangá justapôs uma grande variedade de assuntos aparentemente não relacionados: um tufão e um pelicano próximo a um café da manhã em Paris e uma mulher vestida tradicionalmente na parte de cima; uma viagem no TGV, trem-bala francês, uma cena de um festival japonês no Norte do país com um cavalo em traje festivo, mulheres trabalhadoras, uma girafa, um elefante e um pássaro com uma cara humana, na parte debaixo. Assim, o rolo destaca não apenas o significado quantitativo do mangá na época de Hokusai, quer dizer, estar atento a qualquer coisa e a tudo, como também sugere que no mangá daquele tempo e de agora, o próprio ato de desenhar é mais importante do que a autoria. Em termos de conteúdo representacional, o rolo descreve não o mundo de Hokusai, porém mais propriamente o de Igarashi. Como o rolo, as narrativas gráficas de Igarashi entrelaçam um interesse profundo em animais, aves, e insetos com o folclore e o desejo de uma relação diferente da sociedade humana contemporânea com a natureza. Devido à tradução em inglês, “Children of the Sea” (Kaijū no kodomo, 2006-11, 5 volumes) é seu trabalho mais conhecido, mas em francês, muitos outros estão disponíveis.

 

岡田屋鉄蔵

OKADAYA Tetuzoh

É tudo por agora! (Mazu wa kore nite, 2015)

Okadaya recentemente se tornou conhecida por narrativas históricas ambientadas no século 19. Hirahira: Contos do Mundo Flutuante sobre a Casa de Kuniyoshi (2011) foi o primeiro. Inicialmente serializado numa revista online, o trabalho recebeu uma menção especial do juri do Prêmio Japonês de Artes Midiáticas, na divisão de mangá. Para nossa exposição, Okadaya contribuiu de duas formas: com (1) um retrato de tamanho real do artista de ukiyo-e Kuniyoshi para acompanhar algumas páginas do seu mangá Hirahira, e com (2) uma sofisticada história de 8 páginas que relaciona o diálogo entre o velho, já portador de deficiência visual Hokusai e sua filha, Oei, que considera que ele nunca vai parar de desenhar, mesmo depois da morte. A borboleta que ele se empenha em desenhar no início da narrativa ascende do papel no último painel como se atestasse sua capacidade de transcender para realizar pinturas que ganham vida. Na história, Hokusai se chama Tetsuzō, um tipo de nome que ele vinha usando desde 1774. Okadaya adotou esse nome quando ela estreou comercialmente na revista mellow mellow com o Homem do Tango (Tango no otoko, 2007), um Boys Love, ou yaoi, mangá que também está disponível em inglês. Na exposição, usamos a grafia escolhida pela artista para as edições traduzidas, Tetuzoh. Distinta da situação de 2007, quando poucos japoneses conheciam a conexão desse nome com Hokusai, em 2016, ano em que a artista celebrou o 10º aniversário da sua estreia profissional, ela substitui Tetuzoh por Yuichi para marcar a data.

 

市川春子

ICHIKAWA Haruko (*1980)

Campos de verão (Natsu no hara, 2015)

Desde 2006, Ichikawa Publicou eventuais contribuições no Monthly Afternoon, surpreendendo os leitores regulares desta revista seinen com suas páginas belamente desenhadas, genericamente de estilo feminino, antes que ela visse estas histórias curtas recolhidas no livro Insetos e Poemas (Mushi to uta, 2009). Caracterizadas do mesmo modo por linhas simples e pelo uso atraente de retículas, sua primeira série longa País das Pedras Preciosas (Hōseki no kuni, 2012-15) desconcerta o leitor com uma narrativa de ficção científica onde pedras não polidas tomam a forma de corpos humanos de gênero ambíguo. Para nossa exposição, ela criou uma amigável história curta de 8 páginas na qual Hokusai se encontra sendo chamado ao mundo budista sobrenatural. Um coelho, que pode saudar tanto do último período de Edo como do País das Maravilhas de Alice, age como mensageiro de Amida e convence o artista a aplicar também sua maravilhosa arte agora para representar os mundos não humanos. A história curta de Ichikawa é inspirada no último poema de Hokusai, “Agora como um espírito eu devo percorrer ligeiramente os campos de verão” (Hitodama de yuku kisanji ya natsu no hara).

 

今日マチ子

KYŌ Machiko

Brinquedos inocentes, 2015

Depois de deixar profissionalmente o blog de quadrinhos iniciado em 2004, as narrativas desta artista gráfica fazem clara referência às convenções do gênero feminino, mas com uma pegada que permite abordar condições desastrosas, até mesmo atrozes. Os exemplos incluem Casulo (2009-10), que segue alguns estudantes do ensino médio do Corpo Lírio (himeyuri) em Okinawa e que, no início do verão de 1945, são forçadas a eclodir de seus casulos adolescentes; Anone (2011-13, também em Elegance Eve), uma revista surreal da vida de Anne Frank; e Mitsuami no kamisama (A divindade de trança de rabinho, 2011-12, na Jump Kai), que relaciona o acidente de Fukushima Daiichi e suas consequências numa forma excepcionalmente implícita, uma vez mais com uma jovem mulher como protagonista. Para nossa exposição, a artista representou crianças pequenas em diversas posições imitando o Hokusai Manga que é famoso por imagens de um mesmo tema numa grande variedade de situações. Ela também incorporou motivos relacionados à guerra, um dos seus temas favoritos, porque, em suas próprias palavras: “Nascemos num mundo onde existe a guerra. Talvez a gente não possa escapar dela porque somos inocentes?”