Textos dos curadores

 

A importância dos Ambientes Construídos para a indústria do turismo do século XXI

Kenjirō Hosaka
Curador / Pesquisador associado do The National Museum of Modern Art, Tokyo

É dito que o turismo será a indústria representativa do século XXI. No entanto, não podemos esquecer que a indústria do turismo do século XXI será diferente da que existiu durante o século XX, na qual o que importava eram os números. O índice mais importante dessa indústria era o número de visitantes e o montante de dinheiro gasto por cada um deles. Por isso, as arquiteturas icônicas que surpreendiam ao primeiro olhar e as paisagens bonitas que pareciam ter saído de um cartão postal eram as mais valorizadas. Porém, a ação que de fato acontecia nesses lugares não era turismo (tourism), mas sim um passeio para observar e apreciar a vista (sightseeing).

Em sua origem, o turismo nunca teve conexão com métricas quantitativas. Lembremo-nos do conceito de Grand Tour. Jovens britânico viajavam para Roma em busca da origem da civilização ocidental. Ao retornarem ao seu país, colocavam em prática os conhecimentos e ensinamentos obtidos. O que desejo ressaltar é que essa ação era chamada de “tour”. Assim como as palavras tour e turn (do inglês, retornar) possuem a mesma origem etimológica, tour significa ir a algum lugar, estudar por um período de tempo e retornar com um feedback. A palavra “turismo” deveria ser utilizada apenas quando cada uma dessas ações é realizada. De fato, os requisitos são completamente diferentes de um passeio para observar e apreciar a vista (sightseeing).

O passeio para simplesmente observar e apreciar um ponto turístico (sightseeing) tem perdido o seu encanto rapidamente. Hoje em dia, com um smartphone e conexão à internet, é possível ver (see) um ponto considerado turístico (sight). Inclusive, é possível sair de um ponto para outro em questão de instantes. Com toda essa facilidade do século XXI, onde deveríamos visitar para de fato termos a experiência de um tour? Nós acreditamos que a resposta está nos Ambientes Construídos.

Ambiente Construído é o espaço que surge ao observar, em sua totalidade, um local onde o ser humano realizou algum tipo de interferência. Para isso, é preciso considerar tanto o eixo do tempo quanto o eixo do espaço. Deixe-me explicar de forma mais concreta. O eixo do tempo possui diversas escalas: um ano, dez anos, cem anos. O eixo do espaço também tem uma vasta abrangência, podendo ser uma residência, um prédio, um parque ou uma planície.

Assim, neste “Guia de Viagem”, selecionamos os Ambientes Construídos que são profundamente conectados com o Japão como país e como território. Ambientes construídos que surgiram no período da modernização ou do rápido crescimento econômico (painéis 33 e 53). Ambientes construídos que surgiram para responder à destruição causada por esses desenvolvimentos mencionados acima (painéis 20 e 45). Ambientes construídos que nasceram para regenerar comunidades diante dos desafios populacionais e econômicos enfrentados pelo país (painéis 18 e 34). Ambientes construídos que foram preservados pela prática sustentável, na contramão das transformações velozes (painéis 12 e 48).

É interessante notar que, ao visitar um ambiente construído, uma rede que está conectada a esse espaço torna-se naturalmente visível. Essa rede inclui pessoas e coisas. Por exemplo, no caso do Museu Memorial de Toson (Toson Memorial Museum) (painel 44), é possível imaginar os aldeões que participaram de sua construção há dezenas de anos e perceber que as pedras utilizadas foram retiradas e carregadas do leito do rio.

É interessante notar que um bom Ambiente Construído considera o espaço a longo prazo e, como resultado, é sustentável. Por exemplo, em uma dada plantação de chá (painel 48), mesmo que um esforço adicional seja demandado e que se reduza a área de plantio, um espaço será reservado para o cultivo de grama. No outono, a grama é cortada, secada e colocada entre os pés de chá para que a terra seja enriquecida durante o inverno. Por conta dessa ação, criou-se uma biodiversidade em toda essa extensão de terra. Se for apenas para observar a vista, de fato, é apenas uma plantação de chá. No entanto, é uma plantação de chá que conquista corações por ter tanta sabedoria escondida.

Mesmo uma arquitetura icônica tem o seu valor alterado quando considerada em termos de Ambiente Construído. Por exemplo, a Nakagin Capsule Tower, projetada por Kisho Kurokawa (painel 29) e que foi demolida em 2022. Na sua conclusão, esse edifício mudou a imagem que as pessoas tinham do cotidiano da cidade. Seus muitos fãs realizavam atividades como visitas voluntárias, para que a torre, já bastante deteriorada na época, mantivesse a sua existência. Ou seja, no eixo do tempo, podemos afirmar que a própria relação dessa arquitetura com as pessoas mudou, pois um Ambiente Construído não é imutável e novas descobertas podem acontecer ao revisitar um determinado local após certo tempo. É aí que reside a possibilidade do turismo que difere da simples atividade de consumo.

 


 

A compreensão regional por meio da infraestrutura

Satoshi Hachima
Curador / Professor da Chiba Institute of Technology

Para compreender um país ou uma região, há diversas abordagens possíveis. Obviamente, observar as diferenças culturais que aparecem nas camadas mais superficiais é um método válido. No entanto, para captar melhor a essência local, acredito que podemos utilizar, como fio condutor dessa observação, a infraestrutura que sustenta a sociedade em sua base. Isso se deve ao fato de que a infraestrutura é adaptada para solucionar, da melhor maneira possível, os desafios enfrentados por cada país ou região. Como resultado, a paisagem local se torna um “espelho que reflete a própria região”.

Obras de controle de erosão que protegem as terras planas localizadas a jusante de enxurradas causadas por deslizamentos de terra, amplas áreas industriais criadas pelo aterramento marítimo de trechos rasos, canais de drenagem subterrâneos construídos para reduzir danos causados por inundações em planícies urbanizadas, vastas áreas drenadas com o objetivo de aumentar a produção de alimentos em regiões frias e nevadas, tanque circular que permite visualizar a distribuição equitativa da água. Essas paisagens artificiais podem parecer muito distantes das estonteantes paisagens naturais que configuram os pontos turísticos famosos. Talvez, você fique intrigado com a escala gigantesca que parece superar os feitos humanos. Talvez, sinta um certo incômodo por não estar dando o devido valor a um ambiente criado pela própria natureza. No entanto, ao questionarmos como e por que essas paisagens artificiais foram criadas e buscarmos entender o ambiente social que está por trás de cada uma delas, as nossas percepções provavelmente mudarão significativamente.

Vamos reconsiderar a geografia do Japão como um todo para estabelecermos um critério de observação dessas paisagens. O território japonês é composto por um longo arquipélago com montanhas de ondulações suaves que se estende de norte a sul. Em sua maior parte, o clima que prevalece é quente e úmido, com estações do ano bem definidas. O ponto mais importante está no fato de desastres naturais de diversos tipos acontecerem, como terremoto, erupção vulcânica, tsunami, tufão, chuva e neve intensas, enchente, deslizamento de terra, entre outros. Ou seja, o Japão não seria o que é hoje sem as melhorias artificiais de alto nível que permitiram ao país enfrentar os riscos dos desastres naturais frequentes e fazer bom uso das poucas áreas planas onde a urbanização pôde evoluir.

Além do elemento geográfico, se adicionarmos os “fenômenos sociais” na análise, incluindo a história, a economia, a indústria, a tecnologia, os recursos naturais, as relações internacionais, etc., vemos surgir a narrativa que deu forma ao Japão. Naturalmente, esses fenômenos sociais possuem grande impacto na mentalidade dos japoneses e, inclusive, podemos afirmar que se tratam da base cultural que aparece nas camadas superficiais da sociedade. Por isso, afirmo que constituem o “espelho que reflete a própria região”.

Existe uma outra razão, além da compreensão regional, para recomendar que observem as paisagens compostas por infraestruturas. Grande parte dessas instalações são construídas de acordo com os fenômenos físicos da gravidade, pressão hidráulica, estresse térmico, entre outros e encaram a colossal força da natureza com seriedade. Em muitos casos, elas não são estruturas independentes e fazem parte de um sistema complexo que se estende por uma área mais ampla. Por isso, tem-se a sensação de uma escala avassaladora que não parece ter sido criada pelo ser humano, de um dinamismo e realidade que surgem na forma que prioriza a funcionalidade e de um contraste gerado pela ordem e pelo caos, pela ousadia e prudência. Trata-se de uma vista única e surpreendente, onde a emoção e a admiração são imanentes. Podemos afirmar que a infraestrutura tem o que é necessário para ser objeto de contemplação.

Geralmente, a profundidade e a qualidade do aprendizado aumentam quando se tem uma experiência inicial que expande o interesse e leva à aquisição do conhecimento. Uma experiência que sai dos fenômenos superficiais e revela camadas mais profundas desperta a curiosidade intelectual. O mesmo acontece com a compreensão de uma região. Ao desenvolver, à sua maneira, um olhar apurado para observar a infraestrutura, você vai desejar visitar outros projetos e obras relacionadas. Por fim, você entrará em contato com a imagem de um outro Japão e a atitude de acumular esse tipo de experiência poderá se transformar em um novo tipo de turismo.

 


 

O que considerar ao visitar uma construção moderna

Shunsuke Kurakata
Curador / Professor associado da Osaka City University

Uma construção sempre cria um espaço interno e outro externo. Considere apenas um telhado, por exemplo. Ao ser construído, essa cobertura protegerá a parte interna da chuva e do sol e um determinado número de pessoas poderá abrigar-se em sua sombra. Assim, surge um espaço interno cujo ambiente é diferente do lado externo. Para quem vê de fora, o próprio formato do telhado já transmite a existência desse tipo de espaço e, consequentemente, o ambiente do entorno tem o seu significado alterado. Nesta exposição, gostaria de recomendar a visita por algumas construções modernas localizadas em diferentes partes do Japão que expressam essas percepções.

Por que focar em construções modernas? Porque, por meio delas, é possível observar uma gama mais ampla das possibilidades do ser humano em comparação com o período anterior. Principalmente a partir da era moderna, as pessoas começaram a refletir sobre o que divide a parte interna da parte externa. E essa engenhosidade dos edifícios está sincronizada com os tempos modernos em que não é mais possível pensar nem o exterior e nem o interior sem a intervenção humana.

Com o advento da era moderna, tornou-se raro encontrar uma construção erguida em um ambiente de natureza intocada. Na maioria dos casos, o lado externo de uma edificação está cercado por um “Ambiente Construído” composto por elementos naturais e artificiais, tais como infraestruturas e outras edificações criadas pelo homem diante dos elementos naturais. Dado que as construções não estão mais expostas a um ambiente totalmente natural, a gama de possibilidades se expandiu e passaram a assumir novas responsabilidade como parte desse ambiente construído. As construções, que precisam obrigatoriamente responder ao lado externo, passaram a refletir o ambiente construído que se metamorfoseia constantemente em cada localidade, ao mesmo tempo em que começaram a expressar os desafios acerca de que tipo de ambiente construído tentou-se estabelecer do lado externo.

As mesmas transformações aconteceram do lado interno. A essência humana de se proteger do calor e do frio e de viver em grupo não mudou. No entanto, na era moderna, tornou-se comum o pensamento de que uma das características do ser humano é também conseguir construir um ambiente social em resposta à sua essência. Assim sendo, o papel da construção, de gerar um ambiente interno que possui uma intencionalidade definida, cresceu rapidamente. Os diversos tipos e formas de residências, escolas e museus criados na era moderna nos permitem visualizar as transformações sociais que marcaram as diferentes localidades. Simultaneamente, manifestam o ideal por trás da sociedade que se buscou criar.

Os edifícios da era moderna foram posicionados entre o ambiente construído do lado de fora e o ambiente social que reflete o lado de dentro e passaram a ser vistos como estruturas que podem ser renovadas tanto do lado externo quando do interno. Ambos os ambientes possuem características naturais e artificiais. O mesmo se aplica aos edifícios: seja pelo material como o concreto armado, seja por componentes industrializados, eles refletem as condições naturais, como a regionalidade, enquanto abrem novas possibilidades com a potência das criações humanas.

Ao visitar essas construções, acredito ser possível entender quais soluções foram projetadas em cada região ao longo das eras e vislumbrar as práticas futuras.

Por fim, como referência para uma viagem, gostaria de apresentar-lhes dois anos importantes na história das edificações japonesas da era moderna e outros dois anos que acompanham seus desdobramentos.

O primeiro é o ano de 1854. A partir desse ano, o Japão retomou suas relações internacionais com diversos países do ocidente. Assim, foi introduzido no arquipélago o pensamento moderno de que é possível uma intervenção consciente e científica na natureza e na sociedade.

Do ponto de vista tecnológico, as construções japonesas, as quais eram basicamente feitas de madeira, passam a ser também construídas em tijolo e pedra. Em termos de design, o Japão treinou seus próprios projetistas, os quais dominaram o revivalismo arquitetônico, corrente dominante da época nos países ocidentais, e eles próprios treinaram seus construtores modernos.

Assim, a construção do ambiente interno e externo por meio da nova arquitetura foi basicamente conduzida por projetistas japoneses que difundiram rapidamente as técnicas a partir da capital Tóquio para outras regiões, com exceção dos primeiros 20 ou 30 anos, nos quais os estrangeiros residentes lideraram esse processo. No entanto, apenas incorporar as técnicas ocidentais mostrou-se ineficaz para lidar com a especificidade dos terremotos e para adaptar-se ao estilo de vida dos japoneses, que havia mudado pouco em relação ao período anterior à modernização. Foi apenas após o Grande Terremoto de Kantō, em 1923, que a construção de edifícios resistentes a terremotos e incêndios, feitos principalmente de concreto armado, começaram a mostrar resultados e a mistura dos estilos de vida ocidentais e locais avançou.

O outro ano é 1945. Pela primeira vez, o Japão moderno havia sido derrotado em uma guerra e grande parte dos japoneses concluiu que esse resultado indicava a insuficiência da modernização iniciada a partir de 1854. Nesse contexto, o Japão do pós-guerra deu início a uma intervenção consciente e científica mais profunda em relação à natureza e à sociedade. Um dos focos foi dado aos edifícios intimamente conectados tanto com o ambiente construído quanto com o ambiente social. O revivalismo arquitetônico do pré-guerra foi eliminado e surgiram muitos arquitetos mundialmente famosos, como Kenzo Tange. Desde a Exposição Mundial de Osaka em 1970, na qual o Japão conquistou um status internacional similar ao de antes da guerra, houve uma correção de rota: o destaque excessivo para o que era artificial, feito pelo homem deu espaço para a imutável essência humana e às condições naturais de cada região.


Informações sobre a exposição