Fifteen Lectures on Showa Japan
A presente edição organizada em quinze temas, parte das diferentes percepções de eventos que se tornaram focos de problemas diplomáticos do Japão com a China, Estados Unidos e Coreia. Entre os pesquisadores há uma visão fragmentada dos eventos em virtude das especializações de cada um tornando difícil o diálogo entre os autores que pesquisam eventos do início da Era Showa e os que pesquisam seus últimos anos. Muitas publicações simplistas, classificadas como “publicações irresponsáveis” e “perigosas”, continuam a repetir erros passados sem a revisão necessária das pesquisas recentes.
Watanabe Kota faz uma análise alternativa do sistema resultante do Tratado Naval de Washington finalizado em 1922 e a chamada “Nova diplomacia” liderada pelo então ministro das relações exteriores Shideraha Kijuro. Na tentativa de reduzir a corrida armamentista, o tratado visava restringir a capacidade ou tonelagem dos navios de Guerra das potências. O colapso do balanço de poder gerado pela Primeira Guerra mundial e a rejeição da antiga diplomacia marcada pela competição das potências pelos seus domínios coloniais e segredos diplomáticos passariam a ser impulsionadas por um internacionalismo idealístico propugnado inicialmente por Woodrow Wilson, Presidente dos Estados Unidos. Shidehara liderou a revisão dos tratados desiguais impostos anteriormente ao Japão, fomentou uma relação estável com a China e buscou manter uma posição politicamente neutra, apesar das pressões internas e das diferentes percepções sobre a situação na China. Muitos defendiam o envio de tropas japonesas para conter o avanço do nacionalismo e a ameaça aos interesses e cidadãos japoneses na região. Shidehara manteve o foco na para manter a política de não interferência nos assuntos internos da China. No entanto, as mudanças no cenário internacional e a oposição interna dos burocratas levaram ao fim desse modelo diplomático.
Koyama Toshiki trata da promulgação da lei das eleições gerais e o começo dos partidos políticos a partir do segundo movimento em defesa da Constituição marco da década de 1920. A defesa do sufrágio universal, com os limites de então, serviu de bandeira para garantir a participação popular nos rumos do governo de modo a não se restringir a elite. O cenário interno foi marcado pelo surgimento de vários movimentos populares de inspiração socialista além da crescente influência da mídia contra os políticos com a exposição dos escândalos de corrupção e o fortalecimento da imagem do Imperador. O relaxamento temporário das tensões internacionais e as pressões por austeridade fiscal levaram à diminuição da influência dos militares e o fortalecimento de dois partidos políticos que contavam com o suporte das grandes corporações – zaibatsu. No entanto, tais partidos incluíam uma grande diversidade de facções internas que tornariam a governabilidade impossível nos anos seguintes. Esse canário se agravou ainda mais com as violações das regras eleitorais no sufrágio de 1928 deixando uma imagem negativa dos partidos. A grande depressão econômica mundial do ano seguinte aumentou a desilusão do povo japonês que começou a acreditar mais nos rumos desejados pelos militares.
Iechika Ryoko descreve a expedição ao Norte da China e o assassinato de Zhang Zuolin. A Revolução Xinhai tinha posto um fim ao governo da Dinastia Quing. Porém, o cenário inicial para a formação de uma república era bastante complicado pelas diferenças de entendimento entre os três principais grupos revolucionários. Além da defesa da distribuição de terra entre o povo, também começa a se levantar a bandeira da expulsão dos estrangeiros que detinham várias áreas do país, sob as quais tinham jurisdição próprias. As divisões internas, favoreceram o fortalecimento do controle japonês na região da Manchúria baseada nos acordos internacionais vigentes. No entanto, o incidente de Nanjing em 1927 começava a pôr em risco os interesses do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Japão. A pressão dos militares junto ao novo gabinete liderado por Tanaka Giichi resultou em uma política mais agressiva suplantando a diplomacia de não intervenção defendida por Shidehara. O crescimento da oposição aos japoneses e o avanço do comunismo levaram a expedição ao norte da China na tentativa de defender os investimentos japoneses na região. O começo das ações militares do Japão foi seguido pelo assassinato do Zhang Zuolin, líder chinês na região que passou a ser visto como obstáculo. A explosão do trem em Huanggutun planejada e executada por oficiais japoneses resultou na unificação dos nacionalistas e comunistas chineses que passaram a representar ameaça aos interesses japoneses na Manchúria e na Mongólia.
Hatano Isamu analisa a Conferência Naval de Londres partindo do fracasso do Tratado de Washington em nova tentativa de restringir o crescente armamento naval das potências. Apesar da oposição da Marinha Imperial, o Japão assinou o tratado em 1930 se comprometendo com as exigências de pôr uma pausa no fortalecimento de sua frota. Internamente, as divergências de posições levariam a várias disputas políticas que terminaram em assassinatos e planos de golpes que marcaram a década de 1930. Apesar dos limites impostos à construção naval, o aumento do seu orçamento militar representou um ganho para a influência dos militares que passaram a ditar os rumos das ações na Manchúria em detrimento das medidas diplomáticas adotadas. O autor finaliza mostrando como as diferenças de visão, os erros de estratégias e a falta de comunicação entre os principais atores internos levariam o Japão a entrar em novos conflitos bélicos.
Tohmatsu Haruo aborda o Incidente da Manchúria e a consequente saída do Japão da Ligas das Nações. O envolvimento do Japão na região da Manchúria tinha começado com a Guerra Russo-japonesa sendo aos poucos assumida como parte informal do império. Paralelamente, o conflito Sino-Soviético de 1929 terminou com o controle soviético e a instalação de um governo fantoche na região da Mongólia. O Japão fortaleceu a presença militar e instalou Estado Satélite da Manchúria vista como “salvação” para a recessão que o país enfrentava. A República da China fez uma reclamação formal à Liga das Nações que enviou uma delegação para averiguar a situação que declarou a situação como “legal e politicamente problemática” para os dois lados. No entanto, a pressão interna no Japão levou ao acirramento da situação tornando o novo Estado um Protetorado japonês e a saída da Liga das Nações, sinal do fortalecimento do poder militar em detrimento das negociações diplomáticas.
Shibata Shin’ichi aborda as discussões em torno da teoria sobre o Imperador como um órgão (Tenno kikantsu jiken). A teoria proposta por Minobe Tatsukichi buscava tornar compatível a imagem do imperador com a democracia expressa na Constituição, definindo-o como órgão supremo do Estado. No entanto, de uma discussão teórica passou-se a um incidente político, uma vez que burocratas e militares defendiam a imagem do Imperador como superior ou “divino”. As organizações ultra-nacionalistas se mobilizaram contra a teoria condenando-a apesar do próprio imperador se mostrar favorável à teoria. Os livros que tratavam da mesma foram banidos e os que a defendiam foram tirados de seus postos de trabalho. O autor mostra como a afirmação da autoridade suprema e mística do imperador, levou também aos abusos por parte de burocratas e militares dessa autoridade divinizada.
Tsutsui Kiyotada versa sobre o movimento ultranacionalista (cho-kokkashugi) e do incidente de 26 de fevereiro de 1936 com a tentativa de Golpe de Estado. A tentativa de assassinato do Primeiro Ministro Okada e do Ministro das Finanças Takahashi Korekiyo visava neutralizar todos os que pudessem ser obstáculo para a facção Kodoha. Essa buscava reagir ao fortalecimento da Toseiha, outra facção que defendia o maior controle do Estado sobre o capital. Seguindo as ideias de Kita Ikki, entre outros socialistas, muitos jovens militares decepcionados com a corrupção dos políticos acreditavam em uma sociedade mais igualitária. Uma vez que se eliminasse os privilégios da elite japonesa, o país poderia liderar a luta pela libertação dos demais países da região do domínio colonial. Embora o golpe não se tenha concretizado, e as facções enfraquecidas, o assassinato do Ministro das finanças deixou o espaço aberto para o aumento da influência dos militares de inspiração ultranacionalista. Todavia, assumiram o discurso de libertação da Ásia dos domínios coloniais.
Iwatani Nobu explana o Incidente da Ponte Marco Polo. A atmosfera amigável entre japoneses e chineses do início da década de 1930, começou a mudar com o avanço comunista na China e o fortalecimento dos ultranacionalistas no Japão. Em 1937, com o aumento das tensões, as desconfianças de ataque eminente deixavam os dois lados em alerta. Alguns tiros e o desaparecimento temporário de um soldado japonês resultaram em um combate inicial de duas horas. O incidente local, apaziguado com um cessar fogo, foi o suficiente para fomentar mais desconfianças mútuas. Falhas de comunicação entre as tropas chinesas dividas em seu comando levaram a um ultimatum das tropas japonesas sem que o cessar-fogo acordado fosse conhecido. Embora a diplomacia japonesa defendesse que a evacuação dos civis japoneses e sua posterior indenização pelos danos seria menos custosa que a guerra, a pressão interna com o aumento do poder dos militares levou a deflagração do segundo conflito Sino-Japonês.
Tobe Ryoichi aprofunda o tema da Guerra Sino-japonesa e a declaração do projeto de uma Nova Ordem para o Extremo-Oriente. O esclarecimento inicial que a não declaração oficial do estado de guerra entre os dois países do ponto de vista da lei internacional é relevante para o debate sobre onde estaria de fato o começo da II Guerra Mundial. As tentativas de negociações diplomáticas logo foram deixadas de lado pelas ações militares com a política de expansão cada vez mais agressiva indo ao limite da capacidade japonesa. Internamente, no entanto, os cidadãos japoneses precisaram ser convencidos das motivações para continuação do conflito. Para tanto, o discurso da implantação de uma Nova Ordem política, econômica e cultural na Ásia liderada pelo Japão garantiu o apoio necessário. As tropas japonesas venceram quase todas as batalhas travadas, mas não eram suficientes para impor a submissão aos chineses gerando um impasse dois lados e ao prolongamento do conflito. Em 1939, com o início da II Guerra Mundial na Europa, o foco do Japão se voltou para o Sudeste Asiático encampando de vez o discurso de combate às potências coloniais ocidentais.
Hanada Tomoyuki trata do Nomonhan Incidente que levou ao Pacto de neutralidade Soviético-japonês em vigor até os últimos dias da II Guerra Mundial. O domínio japonês na Manchúria e o soviético na Mongólia punha os dois países em constante tensão. Apesar dos incidentes pelos limites territoriais, os dois países firmaram um pacto de não agressão. Isso permitiu manter o território conquistado ao norte e avançar para o Sul com a deflagração da Guerra do Pacífico.
Takeda Tomoki aborda a Aliança entre Japão, Alemanha e Itália mais conhecida como Pacto anti-comintern. O complicado cenário internacional dos anos 1930 apresentava inúmeros desafios à diplomacia de todos os países. Tanto a Alemanha quanto o Japão tinham interesse em diminuir a influência Britânica na Ásia. Apesar de ter treinado boa parte dos soldados chineses, a Alemanha favoreceu a aproximação com o Japão. O ponto comum da “diplomacia anticomunista” agregou também a Itália, porém era marcado por desconfianças constantes, diferenças de interpretações, percepções e estratégias entre seus signatários.
Makino Kuniaki ocupa-se da Nova Ordem defendida pelos Burocratas reformistas do segundo gabinete Konoe. O vácuo de poder interno e o isolamento internacional do Japão permitiram a volta de Konoe Fumimaro como Primeiro Ministro. Dessa vez, era apoiado por um grupo de burocratas reformistas que defendiam a separação entre o capital e administração com maior controle do Estado. Os oponentes dessa política, a acusavam de comunista e levantavam a bandeira de defesa da Constituição. O resulto desse período foi uma política de consumo que permaneceu como aprendizado ajudando a mover a economia no pós-Guerra.
Moriyama Atsushi apresenta as negociações entre os Estados Unidos e o Japão até deflagração da Guerra do Pacífico. A expiração do Tratado de Comércio e Navegação entre os dois países em 1940 e as considerações sobre o balanço de poder na região, levaram os Estados Unidos a se afastar do Japão impondo embargos que afetaram sua navegação e a aviação de guerra. A diplomacia japonesa é apontada como responsável pelo mau direcionamento e por sabotagens das negociações. Além disso, as dificuldades de entendimento entre o exército e marinha pioraram o cenário. As interpretações dos pesquisadores no desenrolar dessas negociações são variadas. Moriyama, destaca que a oposição britânica e chinesa a um possível acordo entre Japão e Estados Unidos foi um fator relevante; outro fato destacado é que ambos os lados, tentavam ganhar tempo com as negociações enquanto se preparavam para a Guerra que se mostrava inevitável. Os vários elementos levantados pelos especialistas sobre as possíveis conspirações difíceis de serem provadas, apontam mais para a possibilidade de que os Estados Unidos teriam desistido de usar as negociações deixando ao Japão a oportunidade de iniciar as hostilidades. Fica ainda a questão: até onde tinham conhecimento dos planos japoneses?
Suzuki Tamon aborda a “decisão sagrada” do imperador para a rendição do Japão após os ataques de Hiroshima e Nagasaki. O cenário de guerra apontava para uma invasão por terra do território japonês. Antes, porém, a declaração de Potsdam exigindo a rendição incondicional do país foi entregue em 27 de julho de 1945. A declaração “ignorada” incialmente pelo Premier, foi seguido pelo bombardeio de Hiroshima em 6 de agosto e de Nagasaki três dias após. Concomitantemente, a União Soviética declarou guerra pondo fim ao pacto de não agressão com o Japão. O autor destaca os desgastes psicológicos resultantes dos cenários catastróficos que se projetavam levou a tomada de consciência dos fatos por partes das autoridades. O primeiro Ministro Suzuki teria declarado: “A entrada dos militares na esfera política é o começo da ruína de um país” (p. 259). No entanto, a falta de consenso entre os militares e os riscos de um golpe, levantam o Imperador a tomar as decisões sagradas (seidan) que permitiriam a rendição “incondicional”. Apesar disso, foi possível manter as prerrogativas de soberano do país. O autor destaca a importância do papel político que o imperador tinha e sua responsabilidade na tomada de decisões crucias como esta, ponto de muita divergência política e de discussões acadêmicas ainda hoje. Entre as questões ainda em debate, está a pergunta sobre qual evento teria sido decisivo para a rendição: as bombas atômicas ou a entrada da União Soviética no conflito?
Iguchi Haruo traça o cenário internacional por trás da política de ocupação do Japão. O autor parte do questionamento sobre as razões que possibilitaram a recuperação econômica do país nos anos pós-guerra. Para além dos fatores internos destaca o cenário político internacional como parte das razões que levaram os Estados unidos a favorecer o Japão a partir de 1948. O enfraquecimento do governo nacionalista chinês e a aliança entre os comunistas chineses e soviéticos, aumentaram a percepção de perigo em relação ao crescente poder da União Soviética. Com isso, o Japão passou a ser visto como útil aos interesses norte-americanos na região. Apesar das hesitações locais, a política externa estadunidense ajudou o Japão a aceitar investimentos estrangeiros. A guerra da Coreia, por sua vez, permitiu a recuperação da indústria química japonesa entre outras. Essas mudanças permitiram a assinatura do Tratado de Paz de São Francisco e, posteriormente, a permissão para a organização das Forças de Autodefesa do Japão.
Estas “lições” ajudam tanto o pesquisador quanto o leitor comum a ter uma visão geral da Era Showa e dos diferentes cenários e motivações que levaram o Japão a se lançar em vários conflitos bélicos e a trágica derrota que deixaram profundas marcas ainda presentes no imaginário japonês. Além de reunir historiadores que conhecem profundamente os temas abordados, há no final de cada capítulo uma lista de outras obras para o aprofundamento da questão analisada. Leitura valiosa para quem busca entender a história do Japão e parte da problemática contemporânea de sua política externa no Sudeste Asiático.