Japan in Asia

Além de trazer um bom panorama das relações diplomáticas do Japão na Ásia desde a década de 1970, o livro de Akihiko Tanaka também oferece aos leitores que não dominam o idioma japonês a oportunidade de tomar contato com o trabalho de um dos mais renomados internacionalistas japoneses da atualidade, com uma longa carreira acadêmica desenvolvida na Universidade de Tóquio e no National Graduate Institute for Policy Studies (GRIPS). Trata-se da tradução para o inglês de uma obra publicada originalmente em 2007, mas para esta edição o autor redigiu capítulos adicionais discutindo questões mais recentes, até cerca de 2015.

Embora o prefácio traga alguns breves comentários teóricos, o conteúdo do livro é principalmente descritivo. Não há a pretensão de avançar explicações causais nem de propor um grande esquema de interpretação para os fenômenos apresentados ao longo do texto. Mas a atenção aos detalhes com que o autor conduz sua narrativa trazem contribuições interessantes.

Nos dois primeiros capítulos, Tanaka toma como ponto de partida o contexto da Guerra Fria, enfatizando que o conflito assumiu na Ásia contornos específicos, criando uma dinâmica diferente na região. Ele ressalta, por exemplo, a particularidade do papel da China, que, embora pertencesse em princípio ao bloco socialista, opunha-se à União Soviética. Destaca ainda que na Ásia, com exceção do Japão, não havia nenhum país industrialmente avançado, o que criava um ambiente diferente daquele encontrado na Europa. O autor passa a se concentrar então nas profundas transformações que o fim da Guerra Fria trouxe para a região, dando especial atenção ao fortalecimento de demandas por democratização, e analisando como esse processo teve avanços em certos casos (Filipinas, Coreia do Sul, Taiwan), enquanto em outros acabou enfrentando forte resistência (China, Birmânia). Ao longo dessas discussões, o texto procura inserir considerações sobre o papel do Japão nesse processo, especialmente com relação ao caso da China e dos protestos na Praça Tiananmen.

No terceiro capítulo, o livro dá grande atenção ao conflito entre Camboja e Vietnã durante as décadas de 1970 e 1980. O autor vê nas mudanças de posição do governo japonês com relação ao conflito um exemplo representativo de como o fim da Guerra Fria trouxe novos desafios e oportunidades para a política externa japonesa. Durante boa parte da ocupação vietnamita no Camboja (1979-1989), o Japão se alinhou aos EUA em sua oposição ao Vietnã, que era na época aliado da União Soviética, sem exercer um papel maior. No fim dos anos de 1980, porém, o Japão passou a assumir uma postura mais conciliadora e a participar mais ativamente das negociações de paz entre os dois países, mesmo sem o aval direto dos EUA. O texto sugere que essa mudança se deu em parte porque, ao mesmo tempo em que o Japão havia se tornado uma potência econômica, aumentavam também as críticas à ausência de uma maior contribuição japonesa na solução de conflitos internacionais. O envolvimento mais intenso do Japão no processo de paz seria uma forma de lidar com essas novas demandas. Esse questionamento quanto ao grau de contribuição japonesa para a paz internacional se tornou ainda mais direto por ocasião da Guerra do Golfo (1990-91), quando grande parte da comunidade internacional esperava que o Japão contribuísse com o envio de tropas para combater a invasão do Iraque no Kuwait. Devido à restrição imposta pela constituição japonesa à participação em conflitos armados, o governo japonês se limitou a oferecer apoio financeiro, o que foi duramente criticado. Tanaka argumenta que esse foi um momento traumático na política externa japonesa, de modo que posteriormente as forças de autodefesa do Japão passaram de fato a integrar missões de paz da ONU em conflitos internacionais, ainda que com certas restrições. E a primeira dessas missões foi justamente a operação da Autoridade Provisória das Nações Unidas no Camboja (UNTAC 1992-93), um desdobramento do acordo de paz entre Camboja e Vietnã que havia sido firmado em 1991. Mais uma vez o conflito entre esses dois países está associado a uma mudança importante nos rumos da política externa japonesa.

O livro continua analisando o papel do Japão no contexto asiático nas décadas seguintes, com capítulos voltados especificamente a iniciativas de integração regional como ASEAN, APEC, EAEC, ARF, ASEM, ASEAN+3 (capítulos 4 e 8). O capítulo 7 faz uma análise da crise financeira asiática de 1997 e de suas repercussões tanto no Japão como na região como um todo. Mas, de modo geral, o foco do livro claramente passa a se voltar mais especificamente para as relações do Japão com o Leste Asiático, que é, afinal, a área de especialização do autor. Não por acaso são essas as partes mais detalhadas do livro, com um uso maior e mais variado de fontes (documentos oficiais, jornais, entrevistas, livros de memórias de figuras públicas, etc.).

Os capítulos 5-6 e 9-11 se concentram, assim, numa narrativa basicamente cronológica das relações do Japão com China, Coreia do Sul e Coreia do Norte, do começo da década de 1990 até 2015. O leitor poderá encontrar uma gama muito grande de informações e detalhes nessas descrições. Mas como o próprio título deixa claro, este é um livro sobre a posição do Japão, de modo que o texto se concentra principalmente nos discursos e medidas adotados pelos atores japoneses em suas interações com os demais países asiáticos. Especial atenção é dada ao modo como as transformações no cenário político interno japonês (a reforma eleitoral de 1994, o relativamente longo governo de Junichiro Koizumi de 2001 a 2006, a instabilidade decorrente da sucessão de seis primeiros ministros diferentes entre 2006 e 2012, etc.) influenciaram nas relações do Japão com o Leste Asiático.

Várias questões são levantadas e debatidas, mas alguns temas tendem a ser recorrentes. No caso da China, por exemplo, um grande desafio para o Japão tem sido como lidar com o enorme crescimento econômico chinês das últimas décadas e com a influência política cada vez maior da China no cenário internacional, além de encontrar uma forma de manter uma posição sustentável com relação a Taiwan. Nas relações com a Coreia do Sul, as relações diplomáticas a partir dos anos de 1990 foram marcadas pela democratização sul-coreana e pelo crescente peso da opinião da população nas tomadas de decisão pelo governo sul-coreano. No caso da Coreia do Norte, os receios em torno do desenvolvimento do programa nuclear norte-coreano e as difíceis negociações sobre o retorno de cidadãos japoneses sequestrados pela Coreia do Norte nas décadas de 1970 e 80 têm sido uma das principais preocupações do lado japonês.

Mas há um problema mais geral que permeia todas as relações do Japão com seus vizinhos do Leste Asiático e que tem sido fonte de graves tensões: o histórico de dominação colonial do Japão nos demais países da região até o fim da Segunda Guerra Mundial. A memória dessa dominação continua sendo um tema difícil, incluindo-se aqui importantes questões como a das comfort women, do santuário Yasukuni, e mesmo tensões territoriais envolvendo as ilhas Senkaku/Diaoyu e Takeshima/Dokdo. De maneira geral, governos e movimentos sociais na China, Coreia do Sul e Coreia do Norte demandam do Japão pedidos de desculpas inequívocos e, em alguns casos, compensações financeiras, enquanto o governo japonês rebate que já teria feito declarações pedindo desculpas e já teria efetivado todas as compensações devidas. Mas não se trata de um processo estanque. O livro destaca que os níveis de tensão variam de acordo com a época e de acordo com o país. Em certos momentos, por exemplo, a relação com a Coreia do Sul parece melhor do que com a China, enquanto em outros momentos a situação tende a se inverter.  Além disso, a situação também muda de acordo com a composição do governo japonês em cada época, com alguns atores mais e outros menos abertos a rediscutir questões históricas. De qualquer modo, as dificuldades permanecem.

De modo geral, o panorama abrangente oferecido pelo livro é uma referência que pode ser bastante útil. Ao mesmo tempo, é importante ter em mente algumas limitações do texto. Como já foi mencionado, trata-se de um trabalho que analisa as relações diplomáticas da Ásia a partir do ponto de vista do Japão. Isso em si não é necessariamente um problema, mas em certos momentos o autor, que já atuou como presidente da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) entre 2012 e 2015, vai mais além e adota algumas posturas enviesadas. Por exemplo, ao falar da importância da ajuda oficial japonesa (ODA) no desenvolvimento dos países asiáticos (p. 11-4), o autor exalta a contribuição japonesa, mas deixa de lado uma questão que é recorrente na literatura sobre o tema, a saber, as fortes críticas à ODA pelos seus níveis relativamente altos de ajuda vinculada, ou seja, aquela que na prática obriga os receptores a adquirir bens e serviços de empresas japonesas. É legítimo discordar dessas críticas ou então acreditar que isso não invalida a relevância da ajuda japonesa, mas seria de esperar que houvesse alguma argumentação nesse sentido.

Em alguns casos, a preocupação em enaltecer a contribuição internacional do Japão gera passagens curiosas. Ao tratar do governo do primeiro-ministro Naoto Kan (2010-2011), o autor dedica menos espaço ao grande terremoto e consequente tsunami que em 2011 devastaram a região leste do Japão e deixaram o país à beira de uma crise nuclear (p. 286-7), do que à participação do governo japonês e da JICA nas negociações de paz entre o governo das Filipinas e forças separatistas islâmicas na ilha de Mindanau (p. 288-9). Dado o enorme impacto que o terremoto e o tsunami continuam tendo no Japão, tanto do ponto de vista interno como externo (indenizações, responsabilização das autoridades, debates sobre políticas ambientais e alternativas energéticas), isso causa estranhamento. Sem minimizar a importância do conflito nas Filipinas, a questão é que o texto não esclarece nem a real dimensão da intervenção japonesa no processo de paz como um todo, nem a importância do conflito para a região, para as próprias Filipinas ou para o Japão.

No entanto, apesar de seus vieses, o livro continua informativo. Na importante discussão das controvérsias sobre o histórico do colonialismo japonês, por exemplo, é indisfarçável a impaciência do autor diante de certas críticas vindas da China ou da Coreia do Sul, o que não deixa de constituir uma visão parcial, mas em nenhum momento o livro nega as atrocidades cometidas pelo Japão na Ásia. Além disso, há passagens que poderiam ser apropriadas tanto por aqueles que acreditam que o Japão já se desculpou o suficiente, como por aqueles que não consideram sinceras as declarações feitas até agora, ficando ao leitor a tarefa de formar sua própria opinião. Ao longo do texto, o autor descreve, por exemplo, diversos pronunciamentos oficiais do governo japonês com pedidos de desculpas aos povos da Ásia, o que poderia sugerir uma atitude de contrição. Mas ao detalhar o processo de elaboração dessas declarações, o texto deixa claro que houve importantes agentes políticos que criaram obstáculos a esses pronunciamentos, tentando interferir inclusive em detalhes terminológicos a fim de diluir o máximo possível o grau de arrependimento expresso nesses pedidos de desculpas, o que põe em dúvida seu real alcance.

O livro continua sendo, portanto, uma contribuição valiosa ao estudo do Japão e suas relações com a Ásia, ainda que seja importante fazer um confronto não apenas com a opinião de autores de fora do Japão, mas também com outros autores japoneses que mantenham uma distância maior em relação às posições do governo japonês.