Japan’s Quest for Stability in Southeast Asia
O livro Japan’s Quest for Stability in Southeast Asia, de Taizo Miyagi, procura responder à questão acerca da forma como a Ásia, um continente moldado por movimentos pró-independência, revoluções e guerras civis durante a Guerra Fria, converteu-se na região economicamente mais dinâmica do planeta. Para fazê-lo, o autor analisa a história da Ásia marítima desde 1945, conferindo especial atenção às relações entre o Japão e o Sudeste Asiático no contexto das transformações do cenário internacional no período: a estratégia dos Estados Unidos da América durante a Guerra Fria, a dissolução do Império Britânico na Ásia e a ascensão da China. O livro foi publicado originalmente no Japão, em 2008, pela editora Chikuma Shobō, sob o título ‘Kaiyō kokka’: Nihon no sengoshi (‘海洋国家’: 日本の戦後史) (“Estados Marítimos”: A História do Japão do Pós-Guerra), que agora recebe esta tradução em língua inglesa por Midori Hanabusa.
Miyagi desenvolve uma ampla história diplomática do Japão e de suas parcerias com o Sudeste Asiático, que se estende da Conferência de Bandung, em 1955, à Doutrina Fukuda, em 1977, quando o Japão se compromete a contribuir à paz e à prosperidade da região.
O livro é cativante e sua estrutura e argumentos são bem organizados. Além da introdução, no Capítulo 1, o autor faz uma análise detalhada do processo de preparação da Conferência de Bandung pelos países asiáticos, bem como dos debates entre seus representantes acerca da possibilidade de convidar o Japão para a Conferência, pois muitas nações do Sudeste Asiático ainda não haviam assinado o Tratado de Paz de São Francisco e as reparações de guerra haviam sido deixadas para negociações bilaterais. No final, o Japão recebeu o convite por iniciativa de alguns países asiáticos.
No capítulo 2, Miyagi examina a orientação da diplomacia do Japão para o Sudeste Asiático a partir de 1955, pois desejava reparar o seu legado negativo da Segunda Guerra Mundial na região, lugar de onde havia extraído agressivamente recursos humanos e naturais para o seu esforço bélico, e ao mesmo tempo, os Estados Unidos encorajavam Tóquio a perseguir essa política de investimentos no Sudeste da Ásia, pois acreditavam que isso eliminaria a insegurança social local, que havia possibilitado a expansão do comunismo na China, na Coreia do Norte e no Vietnã do Norte.
No capítulo 3, Miyagi atenta para a rivalidade que se desenvolve entre o Japão e o Reino Unido no Sudeste Asiático durante o Confronto Indonésia-Malásia (1962-1966) em torno do controle da ilha de Bornéu, devido ao fato do governo britânico apoiar sua ex-colônia no conflito, a Malásia, enquanto o governo japonês advogava pela mediação entre as duas nações. Os britânicos não desejavam conceder ao Japão o papel de mediador na disputa porque temiam que o Reino Unido fosse relegado a uma posição de subserviência à liderança japonesa na região, mas acabaram cedendo já que o país estava enfrentando uma séria crise financeira e não possuía mais condições de manter suas tropas estacionadas no Sudeste Asiático e a mediação japonesa levou ao fim do conflito em 1966. Ao mesmo tempo, o Japão competia com a China por influência sobre o governo indonésio, ao passo que Jakarta procurava extrair ajuda financeira de ambos os países.
No capítulo 4, o autor observa que o ano de 1965 foi outro marco na história do Sudeste Asiático, com a ocorrência do “Movimento 30 de Setembro”, como ficou conhecido o golpe fracassado na Indonésia, atribuído ao Partido Comunista daquele país (embora, sua autoria continua a ser debatida até hoje), bem como o aumento da presença militar americana no Vietnã. Miyagi assevera que ao mesmo tempo que a Ásia se tornou uma região bipolarizada entre países comunistas (pró-descolonização) e anticomunistas (pró-Estados Unidos), o Japão pôde continuar a expandir sua presença econômica no continente. A partir da deposição do presidente indonésio com tendências pró-Pequim, Sukarno, pelas forças do Tenente-General Suharto, em 1966, o investimento externo direto do Japão e sua ajuda oficial ao desenvolvimento passaram a afluir no país, pois Tóquio considerava a Indonésia como o principal polo para a estabilização política do Sudeste Asiático, o que ajudaria a conter o avanço do comunismo na região.
No capítulo 5, Miyagi volta-se para a détente entre Estados Unidos e China, em 1971, enquanto um dos marcos da Guerra Fria na Ásia. Os Estados Unidos, sob o governo do presidente Richard Nixon, já estavam fatigados pela longa duração da Guerra do Vietnã (1955-1975) e buscaram acabar com a sua estratégia de contenção do comunismo no continente asiático. A China, por outro lado, temia uma invasão militar em larga escala pela União Soviética e procurou proteger-se dessa ameaça por meio de uma aproximação de Washington. O fim da rivalidade sino-americana significou que os países asiáticos estavam livres das amarras ideológicas que haviam sido impostas a eles. Nesse sentido, o Japão procurou normalizar rapidamente suas relações com a China. Por sua vez, a Indonésia, sob o General Suharto, encarou a aproximação entre Tóquio e Pequim com uma sensação de crise, pois o anticomunismo era a base ideológica de seu governo e, assim, propôs a formação de um arranjo cooperativo entre a Indonésia, o Japão e a Austrália. Contudo, o próprio Japão estava dividido sobre como responder à oferta de Suharto, pelo fato de existirem duas escolas de pensamento dentro do governo japonês: a “Escola Tanaka”, liderada pelo Primeiro-Ministro Kakuei Tanaka (1972-1974), defendia que o Japão deveria priorizar o fomento de suas relações com a China, enquanto a “Escola Fukuda”, capitaneada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Takeo Fukuda, advogava que o Japão deveria manter relações equilibradas com as nações de sua vizinhança, especialmente as do Sudeste Asiático. Contudo, Tanaka, como Primeiro-Ministro, conseguiu que sua facção dentro do Partido Liberal Democrata (LDP) adquirisse supremacia no Parlamento, o que levou facilitou a rejeição japonesa da proposta da Indonésia. Contudo, em 1977, quando Fukuda visitou o Sudeste Asiático já como Primeiro-Ministro (1976-1978), declarou que era o papel do Japão servir de ponte entre as nações da região e outros países, o que ficou conhecido como “Doutrina Fukuda”. Miyagi conclui que a aproximação entre Washington e Pequim levou à volatilização das relações internacionais na Ásia e os caminhos perseguidos pela China e pelo Japão no pós-Segunda Guerra viriam a moldá-las até os dias atuais: a China procurou se inserir na comunidade internacional enquanto um ator independente, ao passo que o Japão preferiu buscar a afluência econômica sob o “guarda-chuva financeiro e nuclear dos Estados Unidos” (p. 117).
O principal mérito do livro de Miyagi é a riqueza de informações que traz sobre a Conferência de Bandung (1955), realizada por 29 países asiáticos e africanos recém-independentes que possuíam o objetivo de fomentar a solidariedade mútua entre si e de proclamar a sua rejeição ao colonialismo. Miyagi detalha como o Paquistão, a Indonésia e Burma consideravam o Japão como “o principal ator anticomunista” e o convidaram para a Conferência com o intuito de contrabalançar a presença da China de Mao Tsé-tung, que havia sido convidada pela Índia. Nos anos 1950, o Japão realizou negociações bilaterais sobre as reparações de guerra com Burma (1954), as Filipinas (1956), a Indonésia (1958) e o Vietnã do Sul (1959), enquanto o Camboja e o Laos receberam auxílio financeiro em vez de reparações. A partir dessas negociações, o Japão procurou pagar as reparações não de forma monetária, mas em serviços (ex. fornecimento de produtos, construção de infraestrutura) por meio das empresas japonesas. Enquanto as reparações levaram a uma normalização das relações entre Tóquio e as nações da região, uma grande parte delas regressaria para o Japão por meio das empresas nipônicas que participavam dos acordos do governo japonês com esses países. Fazendo isso, o governo abriu caminho para que as companhias adentrassem nos mercados do Sudeste Asiático a um risco relativamente baixo, com pagamento garantido por ele. Neste contexto, a Indonésia desempenhou um papel importante no “avanço meridional” do Japão em direção ao Sudeste Asiático marítimo, durante o período da descolonização e da Guerra Fria, quando o Reino Unido e a Holanda deixaram a região de forma relutante.
O livro de Miyagi também possui a qualidade de nos mostrar como o Japão foi capaz de superar as limitações de suas capacidades militares impostas pela Constituição de 1947 por meio do enfoque no desenvolvimento econômico, que permitiu que se tornasse uma das principais potências regionais. Assim, o país conseguiu desenvolver uma política externa própria, que visava a consolidação da sua presença econômica no continente e a “despolitização” da Ásia. A estratégia japonesa da “despolitização” consistia em utilizar a assistência ao desenvolvimento para transformar as paixões políticas em interesses econômicos. Isso ocorreu devido à capacidade de Tóquio de enxergar para além da superfície dos regimes aparentemente pró-comunistas, compreendendo-os como regimes fundamentalmente nacionalistas, e tentando guiá-los para o caminho do “desenvolvimento econômico estável”.
O estudo da diplomacia japonesa do pós-guerra também permite que façamos uma leitura liberal da estratégia adotada por Tóquio nas suas relações com a Ásia. A ideia de que a prosperidade é um dos pilares da construção da paz no âmbito internacional possui suas origens nas obras de pensadores como Montesquieu (1689-1755), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Adam Smith (1723-1790), Jeremy Bentham (1748-1832) e Richard Cobden (1804-1865). A corrente teórica liberal das Relações Internacionais defende que a aquisição territorial pode prejudicar a habilidade do Estado aumentar a sua riqueza nacional. Dessa forma, os governos calculariam que um sistema comercial internacional aberto permitiria que eles encontrassem um nicho produtivo na estrutura do comércio internacional. À medida que a interdependência econômica entre as nações aumenta, o desenvolvimento econômico por meio do comércio e do investimento estrangeiro torna-se um processo que se retroalimenta e que passa a fazer parte da estratégia do Estado.
Na década de 1960, o economista japonês Kaname Akamatsu (1896-1974), cunhou a estratégia japonesa de “modelo dos gansos voadores”, no qual o Japão atuaria como o “ganso líder” cujo modelo de industrialização, baseado na transição de modos de produção intensivos em trabalho para modos de produção intensivos em capital, seria reproduzido pelos outros “gansos”. O modelo nipônico de desenvolvimento foi replicado primeiro pelos “Tigres Asiáticos” (Hong Kong, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan), nos anos 1970, posteriormente pelos “Novos Tigres” (Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia), nos anos 1980, além da própria China e das chamadas “Economias Asiáticas de Transição” (Camboja, Laos e Vietnã), nos anos 1990.
Assim, a presença econômica japonesa no continente asiático geraria importantes resultados no desenvolvimento e na pacificação da região. Em 1950, o crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) da Ásia era de apenas 2,9%, enquanto em 2008, havia saltado para 5,4%. Durante o mesmo período, observou-se uma queda abrupta de vítimas em conflitos armados na região, passando de 732.383 mortes entre 1951 e 1955, para 5.393 mortes entre 2011 e 2015. Ao longo do tempo, cada vez menos guerras civis e internacionais foram deflagradas no continente e os conflitos regionais existentes terminaram ou se tornaram menos violentos. Segundo Brooke N. Coe (2019), o crescimento regional sustentado motivou as nações do Sudeste Asiático a desenvolverem um ambiente politicamente estável e pacífico para atrair investidores estrangeiros, ao mesmo tempo que consolidou o princípio de não-interferência nas suas relações, o que levou à diminuição de conflitos internacionais na vizinhança.
Miyagi nos proporciona uma pesquisa ricamente fundamentada em fontes primárias, na sua maioria documentos desclassificados de diversos países, como o Japão, os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália. Esse livro muito interessará ao público brasileiro, tanto leigos quanto estudiosos da história do Japão e do Sudeste Asiático durante a segunda metade do século XX, campo nos qual a bibliografia em língua portuguesa ainda é escassa. Assim, a obra de Miyagi permitirá que cada vez mais leitores reflitam sobre o lugar do Japão na história moderna da Ásia marítima.