4. Palavras do Tradutor

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Jefferson José Teixeira

Além de se dedicar à tradução juramentada de japonês, inglês e francês, tem vasta experiência na tradução literária. Dentre os escritores japoneses sobre os quais se debruçou estão: Ibuse Masuji, Kawakami Hiromi, Mishima Yukio, Murakami Haruki.

 

Sobre a tradução de Natsume Soseki: Eu sou um gato e Botchan

Traduzir um texto em idioma estrangeiro constitui por si só um processo complexo que implica, antes de mais nada, em um bom domínio dos idiomas envolvidos. O desafio é ainda maior quando o idioma de origem é um idioma oriental e o de destino um idioma ocidental.

Tive a oportunidade de traduzir alguns títulos de autores japoneses nas últimas duas décadas e foi para mim uma honra em particular poder traduzir provavelmente os dois livros de Natsume Soseki mais conhecidos, lidos e amados por japoneses de todas as faixas etárias: Wagahaiwa neko de aru [Eu Sou um Gato] e Botchan.

A tradução de Eu Sou um Gato demandou aproximadamente onze meses, um verdadeiro tour de force. Além das inúmeras questões linguísticas e culturais inerentes a uma tradução do japonês para o português, acrescenta-se o fato de tratar-se de um texto do início do século passado, com muitos vocábulos que já caíram em desuso.

Há também o aspecto do contexto sociocultural. A ação do livro se passa no Japão, mas há inúmeras citações ao longo do texto a eventos e personagens da China. Quando se traduz um livro de um autor contemporâneo, como os de Haruki Murakami, por exemplo, eventuais citações à cultura pop americana, mundialmente conhecida, são de fácil compreensão. Ao contrário, a cultura chinesa da época em que o livro foi escrito é totalmente desconhecida para um ocidental dos dias de hoje e até para a maioria dos japoneses.

Em suma, a tradução nesses casos exige também todo um trabalho de pesquisa. No caso do Eu Sou um Gato foram necessárias mais de uma centena de notas de rodapé  – que em geral tradutores e editoras procuram evitar – na tentativa de compartilhar com o leitor algumas informações necessárias para elucidar o contexto ou para situá-lo a respeito de personagens citados na obra.

Outra questão é que Soseki, assim como nosso Machado de Assis, bebeu da fonte da literatura inglesa do final do século 18, em particular das obras de Laurence Sterne. No caso de Soseki, isso foi fruto também de seus estudos de literatura inglesa na Universidade Imperial de Tóquio e de ter morado por três anos na Inglaterra. Soseki dotou tanto o narrador, o gato, como a maioria dos demais personagens do livro, de um humor refinado, repleto do sarcasmo e cinismo característicos dos livros de Sterne.

O mesmo se pode afirmar no caso de Botchan, no qual também há um alto nível de comicidade nas interações entre o jovem professor e seus alunos e os demais professores da escola do interior para a qual é designado. Nesse contexto, traduzir buscando respeitar o  estilo próprio do autor e a linguagem peculiar da época e procurando minimizar o subjetivismo é uma tarefa bastante árdua.

Grande parte da literatura de Natsume Soseki foi traduzida em  anos recentes para o português, permitindo ao leitor brasileiro acesso a um dos escritores mais prolíficos do Japão. Esperemos que o restante de sua obra continue a ser traduzida para o vernáculo.

 

LISTA DE OBRAS TRADUZIDAS

Ordem alfabética de sobrenome do autor

IBUSE, Masuji. Chuva negra. São Paulo: Estação Liberdade, 2011.
INOUE, Yasushi. Fuzil de caça, O. São Paulo: Estação Liberdade, 2010.
KAWAKAMI, Hiromi. Valise do professor, A. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
KAWAKAMI, Hiromi. Quinquilharias Nakano. São Paulo: Estação Liberdade, 2010.
MISHIMA, Yukio. Cores Proibidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MISHIMA, Yukio. Patriotismo. In: Caixa Patriotismo e Quem são Mishimas? São Paulo: Autêntica, 2020.
MURAKAMI, Haruki. Norwegian Wood. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2005.
MURAKAMI, Ryu. Miso Soup. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
NATSUME, Soseki. Botchan. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
NATSUME, Soseki. Eu sou um Gato. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.
TANIZAKI, Jun’ichiro. Amor insensato. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
TANIZAKI, Jun’ichiro. Chave, A. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

 


 

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