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Keiji Haino

Publicado por FJSP em

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Pioneiro da noise music do Japão e inovador na improvisação musical

 

Keiji Haino iniciou suas atividades em 1971, com o grupo Lost Aaraaf. É um artista que há mais de 40 anos se dedica à procura de músicas originais. Em dezembro de 2018, ele pisou pela primeira vez em solo sul americano para se apresentar no Festival Novas Frequências, no Rio de Janeiro.

Embora seja apontado como o pioneiro da noise music do Japão e um inovador na improvisação musical, o próprio artista rejeita esse rótulo. Essa recusa de deificação expõe a figura de um músico que se confronta honestamente com o som, uma pessoa que busca a expressão e que se mostra alarmada com o futuro do mundo.

Nesta entrevista, ele falou sobre episódios do início da carreira, sua visão musical e de mundo, sobre atuações conjuntas com outros artistas.

 

1. PREPARATIVOS PARA APRESENTAÇÃO


Q: É sua primeira vez na América do Sul, como foi o seu deslocamento?

A:Desta vez, trouxe meus equipamentos em duas malas e uma bolsa, como não podia de modo algum despachá-los por serem frágeis, trouxe comigo na cabine.

 

Q: Você utiliza diversos instrumentos, como é feita a escolha dos que vai levar?

A:Para pensar sobre quais instrumentos vou usar, solicito fotografias e vídeos do auditório da apresentação cerca de 1 semana antes. Com base nisso verifico, por exemplo, se é um auditório no qual posso usar instrumentos acústicos, qual é o grau de som que posso emitir e qual é a capacidade de público do local.

Além disso, também considero muito importante o tempo de duração da apresentação. No meu caso, se eu puder atuar livremente, meu tempo ideal de apresentação é de 1h15 a 1h30. Desta vez, os realizadores pensaram numa apresentação ao vivo com duração de 45 minutos. Após diversas conversas, o formato final ficou sendo uma apresentação solo ao vivo, sem atração de abertura.

Naturalmente que quando me apresento num local completamente novo, são necessários cerca de 20 minutos para que tanto eu como o amplificador e o auditório se aqueçam aos poucos.

 

Q: No caso dos instrumentos que você trouxe desta vez, qual foi o critério especialmente importante para a escolha?

A:Os instrumentos que usarei desta vez foram pedidos pelos organizadores do Festival Novas Frequências. Eles me pediram que eu usasse os instrumentos mais novos.

 

Q: Você costuma introduzir instrumentos novos regularmente?

A:Naturalmente. Ao chegar aqui ouvi falar sobre a rabeca, um instrumento de 3 cordas que é uma mistura de violino com viola. Achei muito interessante e quero arrumar uma para mim.

Além disso, também acho muito boa a guitarra Gibson, fabricada em 1967, que vão me emprestar. Acho que ela ficaria feliz se fosse levada para minha casa!! Instrumentos musicais são como animais de estimação: ou se acostumam com o dono, ou não.

 

Q: Como você percebe isso?

A:Percebo no momento em que pego o instrumento. Ele se alteraconforme o jeito que a pessoa o utiliza. No caso de guitarras, aquelas que foram usadas para hard rock são as melhores.

 

Q: Entendo, as de hard rock.

A:Sem dúvida. De acordo com a guitarra que você utiliza, a condição varia bastante antes da apresentação. Mas é lógico, quando a livecomeçar, é a mesma coisa.

 

Q: Há ocasiões em que você leva guitarras suas para outros países?

A:Idealmente eu também quero levá-las. Porém, pelo fato de ser preciso despachá-las como bagagem, é difícil. Como a empresa não assume a responsabilidade se acontecer algo com o instrumento, geralmente não as levo.

 

2. SOBRE A DÉCADA DE 70


Q: Acredito que você tenha se apresentado em muitos locais. Com relação às apresentações ao vivo, há algum episódio que tenha sido particularmente marcante para você?

A:No Japão, coisas costumavam ser atiradas ao palco durante apresentações ao vivo no passado. Cerca de 45 anos atrás. Na época em que comecei a tocar em banda, Led Zeppelin entre outras eram populares, e haviam muitas bandas cover. Dentre 6 bandas que se apresentavam em um concerto, aproximadamente 3 eram cover. Não era um rock vindo de nós. Mas, parece que o público não apreciou nossa performance, e nesse tipo de evento coisas eram atiradas em nós.

 

Q: Quando você tocou no grupo Lost Aaraaf no Festival de Rock de Gen’no, no Japão, em 1971, ficou famosa a história de terem jogado pedras em vocês. Nesse festival, a banda Zuno Keisatsue o guitarrista de free jazz Masayuki Takayanagi também seapresentaram.

A:Sim, sim. Na parte de free jazz ainda ocorria tudo bem. Só jogavam latas de Coca-Cola no palco. Porém, na nossa vez, foram pedras (risos).

 

Q: Por que você acha que o público reagiu dessa forma?

A:Bem, por que será? Esse festival foi realizado bem no meio de um movimento estudantil. Havia também a intenção de incitar os agricultores. Em meio a isso tudo, talvez a gente não tenha feito uma agitação fácil de entender. Nossa mensagem continha o questionamento: será que basta que apenas os seres humanos sejam felizes?

E o estranho nesse evento é que nós éramos o último grupo a se apresentar. Houve apresentação de free jazz a partir das 18h, mais ou menos. Depois, houve bon odori. Em seguida, folk music, e por fim as apresentações de rock.

 

Q: Naquela época, acho que a relação da música com a sociedade era especial.

A:Naquela época, eu não compreendia o que estava acontecendo na sociedade como um todo. No meu caso, eu tinha abandonado o ensino médio aos 17 anos, e desde então não queria fazer coisas relacionadas a grupos ou organizações.

 

Q: Você abandonou o ensino médio aos 17 anos?

A:Sim, eu queria tocar música. E não tinha o mínimo interesse por mais nada além da música. Quando abandonei o colegial, grupos como Tenjo Sajikie outros se apresentavam em Shibuya (Tóquio), mas eu não tinha muito interesse.

Naquela época, não era permitido fazer performances de rua livremente, haviam muitas dificuldades. Naquele contexto, posso dizer também que minha vontade de continuar com manifestações artísticas foi posta à prova.

Posso dizer em alto e bom som: não há no Japão outra pessoa fazendo continuamente algo parecido com o que faço.

 

Q: Na década de 70, o Free Jazz foi muito popular na música de vanguarda do Japão?

A:Sem dúvida, mas atualmente não restou ninguém. É uma pena, mas todos se envolveram com coisas perigosas e morreram cedo. No fim das contas, penso que a expressão é como você vai fazer para botar para fora algo que originariamente existe em você. Assim, se você fica dependente de coisas externas a você, isso só significa que você está fugindo de si mesmo. Desse jeito, você não consegue se expressar.

 

3. O ATO DE FAZER MÚSICA


Q: Dentro da sua longa carreira, há momentos em que você se sente bem com suas apresentações?

A:Venho trabalhando continuamente com música há 45 anos, mas acho que ainda é insuficiente.

 

Q: Mesmo com 45 anos de trabalho?

A:Se eu pensar no mundo antes de pensar sobre expressão, nestes 45 anos a poluição vem avançando, e acho que está mais difícil de viver. Dentro desse contexto, por melhor que eu me expresse, não consigo fazer o mundo mudar para melhor. É uma pena, mas é assim.

Contudo, penso que se há algo que só eu posso mudar, é mudar o meu jeito de ser. Se eu me esforçar, pelo menos isso eu consigo.

Para as outras coisas, existe a questão da relação. Por mais que você diga para alguém “faça isso”, se a própria pessoa não tiver vontade de fazer, no fim ela não conseguirá. Por isso, continuo trabalhando exaustivamente para o meu melhoramento pessoal.

Naturalmente, faço isso com base em uma mensagem consistente. Uma das razões de ter me tornado vegano foi pensando na saúde, para que eu consiga continuar a me expressar.

 

Q: Pelo seu pensamento, a sociedade e o mundo existem antes de tudo dentro de cada um?

A:Penso que o indivíduo tem que buscar o seu melhoramento por meio da tentativa e erro. Quando há algo negativo, as pessoas logo colocam a culpa no mundo e na sociedade. Deixam o próprio comportamento de lado e criticam algo que está distante delas. Não é uma coisa ridícula?

Eu não acredito em coisas sistematizadas. Acho que não se pode depender de sistemas ou de outras pessoas. Mas, é lógico, o ser humano vive dentro de um sistema. Esse é um lado que não tem jeito. Muitas pessoas são envolvidas pelo sistema e levam sua vida em sociedade dentro dele.

Meu desejo é que quando alguém estiver face a face com outra pessoa, fale como indivíduo. Desejo que pense no fato de que as coisas começam a partir do indivíduo. Eu já disse anteriormente que me esforço para melhorar. Isso também quer dizer que eu mudo para beneficiar a todos. Acho que se não houvesse algo que eu considerasse importante fazer, não daria para estar trabalhando com expressão durante 45 anos.

 

Q: Você fala em melhorar seu modo de ser através das apresentações, e com isso mudar o mundo?

A: Sim, pois é só isso que eu consigo fazer.

 

 

Q: Em relação a todos, sua mensagem é que primeiramente cada um deve partir do interior de si mesmo?

A:Sim, acho que seria bom se minha atividade servisse de motivo para algo. Falando de um episódio nesta vinda ao Brasil, estou com problemas em diversas partes do corpo pelo fato de ter feito performances intensas continuamente por longos anos. Por isso, quando vou fazer um concerto eu peço uma sessão de massagem.

Desta vez, eu também solicitei um massagista. O profissional que veio me atender tinha uns 70 anos, era mais velho do que eu. Quando estava recebendo a massagem ele me disse: “Haino, sua música é demais”. Ao que parece, antes ele fazia apresentações de música clássica. Ele me disse: “Ao ouvir sua música, meu conceito de música mudou”. E acrescentou: “Muitos dizem que sua música é noise, mas não é apenas ruído, certo?”

Dentre as muitas coisas que já me disseram desde que eu faço música, esse foi um comentário bem franco. Fiquei feliz! O pensamento dessa pessoa sobre a música ficou mais amplo. Eu faço “Música de Keiji Haino” há 45 anos. Não considero que esteja fazendo música noise ou música de vanguarda. Por isso, achei que ela compreendeu muito bem a minha música.

 

Q: Vi em outra entrevista que você também faz meditação.

A:Minha meditação é mais relaxamento do corpo. Se considerarmos 100% como o nível bom durante a apresentação, para mim o meu som já começa a mais de 100%. Porém, passar dos 100% também significa exceder minha capacidade. Se eu não tiver cuidado, minha mente e meu corpo podem ficar em perigo. Para me recuperar de uma sensação de que estou perdendo a consciência eu preciso relaxar. É por isso que faço meditação.

 

Q: A música se torna a porta de entrada para um mundo à parte?

A:A expressão se posiciona dentro da realidade, haja o que houver.  Penso que é a ação de convidar conscientemente o irreal para dentro da realidade. É importante fazer o irreal aparecer e desaparecer. Acho que a loucura não é convincente, pois fica de costas para a realidade. Em vários sentidos, quem se expressa tem que estar desperto para a realidade.

 

Q: Como é a sensação quando se convida esse irreal para dentro da realidade?

A:Não consigo exprimir bem com palavras, acho que é uma missão. É uma condição de aceitação completa do motivo de eu ter nascido aqui. E acho que minha missão é questionar o pensamento existente e o sistema social.

O questionamento é mais fácil de entender exemplificando com números. Tenho apego pelo número 1. Isso porque acho que ele é sempre o início de algo, é um estado de transição para o número 2. Posso pensar no “1” também como um estado de insatisfação, um estado que aponta para outro estado. Assim, penso que não podemos ficar satisfeitos simplesmente porque a situação mudou para o estado “2”. Nesse sentido, tenho consciência em relação ao número 1, e não consigo parar de questionar.

 

Q: O que você pensa do “zero”?

A:O zero é um ícone, uma ficção. É o estado perfeito onde não existe nada. Na eletrônica digital, há o “0” e o “1”, há o som que conseguimos expressar digitalmente e o que não conseguimos. Quando estou tocando, para mim nenhum som é errado. Não existe som errado, mas penso que quem está se apresentando deve assumir a responsabilidade pelos sons que produz. Eu não digo para os membros da minha banda que vou ensaiar. Mas em determinado momento há sons que não devem ser produzidos. Assim, penso que, antes de mais nada, é importante procurar o som e aprender quando se deve usá-lo ou não.

 

Q: Em outra entrevista, você fez referência a microtons. Há sons que você usa conscientemente com frequência?

A:Acredito que na música de vanguarda, há uma corrente que considera bom o uso de microtons. E na música de improvisação também há determinados estilos. Para mim, no instante em que tomo consciência de um som, a expressão deixa de ser boa. O que importa mesmo é eu estar tocando música.

 

Q: Nas suas performances, muitas vezes você utiliza instrumentos não ocidentais, ou instrumentos medievais, tais como hurdy-gurdye outros. De certa maneira, você se coloca numa posição de crítica à música moderna?

A:Não é exatamente crítica. Sinto um desconforto sobre a percepção limitada do som dentro da música moderna. Isso é uma interpretação pessoal minha, mas na música medieval há elementos sonoros inseparáveis na função de cada um dos instrumentos.

Por exemplo, a percussão produz não apenas o ritmo, consegue produzir também um elemento melódico. De modo inverso, os instrumentos de corda também podem ser usados de modo percussivo.

Sinto que na música da Idade Média é forte esse sentimento de que há elementos sonoros que não consigo separar em cada instrumento. Todos os músicos estão em pé de igualdade. Não há uma pessoa que se destaca dentro desse grupo.

 

Q: Quando e por qual motivo você começou a ter consciência sobre a música medieval?

A:Por volta de 1973, escutei um disco de uma orquestra de música antiga de Munique. Será que era o sawari do instrumento, mas um som que me atraiu ressoava ali. Esse disco tinha o trabalho de música medieval de Sterling Jones.

Naquela época, ouvi esse som numa loja de discos e comecei a tremer sem parar. Comprei-o imediatamente e ouvi-o em casa. Daí comecei a pesquisar sobre música da Idade Média.

Para quem só tinha ouvido rock até então, eu não sabia sobre o contexto da música medieval. E desde então, passei a acordar cedo e comecei a escutar um programa de rádio que tocava música barroca. Gravei essas músicas em rolos de fita e as ouvi muitas vezes.

Por falar nisso, era uma estação de rádio FM, e como minha casa ficava um pouco distante do centro de Tóquio, eu sofria para captar a transmissão. Se ventasse um pouco, eu já não conseguia gravar.

 

Q: Queria muito ver uma livesua operando o rádio com a transmissão ruim!

A:Era realmente difícil! Quando uso eletrônicos nas apresentações, utilizo de forma completamente diferente de outras pessoas. Isso porque eu tinha que girar o seletor de frequência com muita delicadeza para receber as ondas de rádio.

Depois disso, eu levava 1 hora para girar lentamente o botão de volume do zero até o nível máximo, entre outros treinamentos. Por conta disso, eu tomo muito cuidado com a faixa dinâmica. Talvez só possa dizer isso quem já tem idade, mas com certeza, se você não sofre, você não pensa e nem ganha algo. Tem vezes em que você consegue aprender mesmo com as ondas ruins de FM.

Falando de histórias de dificuldades, ainda hoje sofro no setor de imigração quando faço tour no exterior (risadas). Mas com os problemas que já vivi, obtive inspiração para pensar nos nomes de músicas.

 

4. SOBRE APRESENTAÇÕES CONJUNTAS


Q: Falando sobre nomes de músicas, na produção conjunta com o grupo Pan Sonico título Shall I download the black hole and offer it to youé brilhante. Como foi realizado este trabalho conjunto?

A:Houve uma proposta da Mika do Pan Sonic sobre um trabalho em conjunto. Eu não estava tão interessado em techno. E, eu mesmo também não tinha interesse em entrar no ritmo deles durante apresentações. Porém, ao me encontrar com ela, tive a impressão de que era possível trabalharmos juntos, por isso acabei tentando. Não tenho interesse em ritmos techno, porque, antes de mais nada, quero recriar o próprio conceito de ritmo a partir do zero.

Acho que o Captain Beefheart, por exemplo, conseguiu criar um ritmo interessante, mas não creio que tenha conseguido criar um novo beat. O mesmo acontece com o free jazz. Eu, na verdade, penso sempre em criar algo inovador. Gosto de diversas músicas étnicas, mas não apenas para repetir expressões tradicionais, e sim para entrar em contato com coisas novas, para criar nós mesmos algo novo, por isso me pergunto se os músicos não deveriam colocar isso em prática, inclusive alterando intencionalmente a expressão.

 

Q: Você exige alguma espécie de qualificação para que alguém possa tocar com você?

A:Essa é uma pergunta estranha que muitas pessoas fazem. Minha resposta é que tem que ser uma pessoa que goste tanto de música quanto eu, ou ainda mais do que eu.

 

Q: O seu trabalho, lançado em 2018, em conjunto com a banda Konstrukt, de origem turca, foi uma performance em perfeita sincronia muito impressionante e ao mesmo tempo podemos dizer que com um frescor.

A:Não tive nenhum encontro prévio com eles. Foi um entrosamento natural. Eles são bem mais jovens do que eu, mas temos em comum o fato de gostarmos muito de música. Sempre quero fazer apresentações com outros músicos. Acho que um bom músico tem que conseguir se apresentar com qualquer outro músico.

 

Q: Que tal a relação da música com a arte?

A:Estou sempre dedicado totalmente à música, por isso não tenho muito interesse na combinação de música com outras artes. Além disso, eu me oponho a que a música seja “usada” por outra forma de expressão.

Faço colaboração com dança contemporânea, mas quando comecei a me apresentar em conjunto comecei a fazer percussão. Quando vieram me pedir: “Haino, gostaria de usar sua música”, eu aceitei sorridente, mas no momento da apresentação, fui contra as expectativas e fiz percussão (risadas). Para mim, qualquer que seja a expressão, quero fazer a colaboração no mesmo pé de igualdade.

 

Q: Você já fez apresentação conjunta com o dançarino de butô Min Tanaka?

A:Fiz várias apresentações conjuntas com ele. No desenrolar da apresentação, ele, mais para a parte final, agita uma toalha branca e a atira ao chão. Com isso ele quer dizer figurativamente que está se rendendo. O que é incrível nele é que mesmo sua postura levantando a bandeira branca é impecável.

 

Q: Você se interessa por butô há muito tempo?

A:Eu vinha pensando em fazer uma nova expressão, algo inédito. Isso porque quando toco instrumentos musicais, tudo é produzido a partir de ações indiretas. Por exemplo, a ação de golpear, a ação de mover os dedos.

No passado, me ocorreu que para me expressar de um jeito novo, eu precisaria mudar os movimentos do corpo. Quando estava pensando nisso, encontrei o butô. Achei que era algo próximo do que eu buscava, e fiquei muito interessado.

Exatamente nessa época, por sorte, consegui assistir à primeira apresentação de Admirando La Argentina, do dançarino Kazuo Ohno. Fiquei muito chocado! Pela primeira vez na vida, depois de assistir a uma apresentação, eu voltei para assisti-la novamente no dia seguinte. E então consegui assimilar a expressão de Kazuo Ohno. Ao vê-lo crucificado, fiquei tão impressionado como se eu estivesse sendo sugado para a luz. Depois disso, consegui atuar junto com ele por 3 vezes. Eu ficava tão concentrado nas apresentações que nem percebia quando a performance já tinha terminado.

 

Q: Você também fez uma colaboração com o designer de moda Marc Jacobs em uma situação diferente?

A:Não consigo comentar sobre isso. As condições para a participação eram boas, mas não era o que eu esperava porque me disseram o contrário. Depois, eu de fato me encontrei com Marc Jacobs, e ele me disse que gosta muito da minha música.

 

5. MÚSICAS QUE O INSPIRAM


Q: Quando você escuta outras músicas, há algo que você considera importante?

A:À medida que vou ficando mais velho, as pessoas acham que tenho mais experiência e conhecimento que os outros, e muitas vezes sou colocado num patamar superior. Porém, considero importante ter contato com músicas que não conheço.

Quando eu encontro uma música assim e digo: “Puxa, não conhecia esta música maravilhosa!”, nesse instante sou colocado de volta no chão.  Com isso, eu fico mais humilde e consigo mostrar aos outros que ainda tenho coisas a aprender. Ontem, quando ouvi um instrumento chamado rabeca, tive esse mesmo sentimento.

 

Q: Esse sentimento tem diminuído ao longo do tempo?

A:Sim, 30 anos atrás eu me emocionava mais. No entanto, ainda tenho essa sensação e busco isso. Penso que a música é um despertar momentâneo. Quando escutei o The Doors pela primeira vez, tive a impressão de que Jim Morrison me disse: “acorda!”. Com isso, eu herdei a música dele.

 

Q: O que você acha da música brasileira?

A:Eu ouvia bossa nova. Falando nisso, no passado, eu tinha certeza de que no Brasil também existiam artistas excêntricos. Procurei e descobri o Damião Experiença. É uma coisa inacreditável. Encontrei por acaso na Disc Union do Japão. “O que é isso?!”, disse eu quando vi a capa do disco. De todas as fotos de pessoas que já tinha visto até hoje, era a mais estranha.

 

Q: Usar uma imagem tão diferente assim como foto de retrato é difícil de imaginar!

A:Na foto, o cabelo rastafári comprido vai até o chão. Há muitas tatuagens e ele segura um violão clássico, mas por alguma razão ele só tem 3 cordas. A afinação do violão é muito ruim e o som do acorde está deslocado. É uma coisa tremenda! Com essa disrupção, se está no limite do que é música ou não. Acho que talvez o foco do trabalho dele esteja na parte poética.

Pelo tanto que sei, ele lançou uns 10 álbuns. Também toca em banda de reggae e banda de metal, mas isso eu não achei bom. Acho que ele é o artista mais estranho do mundo.

 

Q: À propósito, você tem quantos álbuns dele?

A:Tenho quase todos que conheço. Ele lançou até álbum duplo. Fora ele, tem outra pessoa impressionante em Berlim. É um artista que canta uma música realmente lúgubre. Ele me deu um CD de produção própria, mas faz muito tempo e não consigo me recordar do nome.

E um outro artista brasileiro que acho bom é Walter Franco. A capa do 1o. álbum dele exibe uma mosca num espaço em branco. É uma obra muito boa. Durante a gravação, de repente o som é cortado e fica assim mesmo no produto final.

 

Q: Ouvi dizer que você visitou várias lojas de discos no Rio de Janeiro.

A: Ontem fui também. Amanhã também vou. Só que aqui é difícil procurar os discos que eu quero. Se eu chego e pergunto: “Você tem música ‘sombria’?”, o pessoal não responde. Tenho que perguntar se tem música esotérica.

Procuro por músicas que não consigo identificar, músicas que provocam um sentimento de decadência. Quando se fala de música esotérica essa nuance específica não é transmitida. Para explicar concretamente, eu pergunto se tem música parecida com a de Syd Barrett.

 

Q: Você gostaria de fazer um comentário final?

A:Eu disse há pouco que você tem que mudar o mundo começando a partir de si mesmo. Quero acrescentar mais uma coisa. O que eu quero dizer é que seja você vegano ou vegetariano, é preciso reduzir pela metade a quantidade de comida que se consome.

Não tenho a intenção de ir contra o consumo de carne. Também não estou dizendo que não comer carne é um estilo de vida melhor. Porém, quero que as pessoas se perguntem quantas calorias são realmente necessárias para o ser humano. Se não pensarmos nisso, acho que o mundo não vai melhorar.

Talvez o ser humano esteja ingerindo calorias em excesso e provocando uma sobrecarga ao planeta Terra. Tornou-se um hábito as pessoas comerem o quanto querem, e elas estão se esquecendo do sentido de escolher a quantidade que podem comer.

 

Q: Haino, agradecemos pela conversa de hoje, a qual abrangeu desde a sua visão da música até a sua visão da vida. Muito obrigado!

 



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