Kaoly Asano (Taiko)

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Neste quinto concerto do projeto Música no Castelo, realizado pela Fundação Japão, teremos a professora de taiko, Kaoly Asano, líder do grupo GOCOO – Tokyo Tribal Groove Orchestra, interpretando repertórios solo do instrumento de percussão japonês, o taiko.

 

O taiko

A percussão é considerada um dos instrumentos mais antigos da humanidade e está presente em várias tradições culturais de diferentes países. No Japão, não poderia ser diferente. Podemos iniciar nossa viagem ao universo do taiko com uma incrível narrativa extraída do livro de crônicas do Japão, chamado Nihon Shoki ou Nihongi, que é o segundo livro japonês mais antigo que se tem notícia.

 

 

Diz a lenda que Susanoo, que é o deus do mar e das tempestades, repentinamente ficou nervoso e trouxe toda a sua raiva para a Terra. Sua irmã, Amaretasu, deusa do Sol e do universo, ficou tão brava com a situação, que resolveu fugir para uma caverna e a fechou com pedras, recusando-se a sair. Os outros deuses se reuniram e sabiam que, sem o raio de sol, a vida na Terra se deterioraria e morreria. Assim, tentaram de muitas formas trazer Amaterasu para fora, implorando, ameaçando e até mesmo procurando mover fisicamente a pedra, mas não tiveram sucesso.

Finalmente, Ame no Uzume no mikoto, deusa do amanhecer e da folia, que tinha a aparência de uma velha senhora, deu um passo à frente e afirmou que poderia trazer Amaterasu para fora da caverna. Apesar de ser ridicularizada pelos outros deuses por sua aparência envelhecida, prosseguiu com seu plano. Ame no Uzume no mikoto esvaziou um barril de saquê e pulou em cima do mesmo, pisando nele furiosamente para criar ritmos percussivos. Os deuses ficaram tão comovidos por essa música, que só conseguiam dançar e cantar. A celebração se tornou tão barulhenta, que Amaterasu espreitou para fora da caverna e, ao ver a cena alegre, trouxe a luz de volta para o mundo, banindo Susanoo. Desse modo, a música do taiko teria surgido da performance de Ame no Uzume no mikoto.

Na língua japonesa, taiko significa tambor grande. Mas se trata de um tambor comum, ja que o instrumento expressa sentimentos de alegria, ira, tristeza e prazer com base em quatro princípios: atitude, técnica, forma (kata) e energia (ki).

 

 

A origem do taiko no Japão tem o registro históricos de 558 d.C. Afirma-se que jovens homens japoneses viajavam para a Coreia para estudar o kakko, um tambor de duas cabeças, com as peles estiradas por cordas, que se originou do sul da China. Este estudo dos instrumentos chineses pode ter influenciado o surgimento do taiko. Devido à forte semelhança dos tambores de taiko em relação aos tambores chineses e coreanos, acredita-se que os tambores vieram da China ou Coreia por volta de 300 a 900 d.C.

Certos estilos de música da corte, especificamente o Gigaku, um tipo de apresentação com máscaras, e o Gagaku, a orquestra de corte, também foram exportados para o Japão. Em ambas as tradições, os dançarinos seriam acompanhados por instrumentos que incluíam tambores semelhantes. Algumas pessoas até especularam que o precursor do taiko pode ter existido na Índia, por volta de 400 a 600 d.C.

Evidências arqueológicas mostram que o taiko era usado no Japão durante o período Kofun, 250 a 538 d.C. A palavra Kofun refere-se a um tipo de túmulo datado dessa era, possivelmente para propósitos de comunicação ou de rituais. Esta evidência foi substanciada pela descoberta de estátuas no distrito de Sawa, na província de Gunma, que mostra duas figuras, cada uma segurando um tambor de duas peles com uma baqueta. As estátuas mostram um tocador batendo em uma das peles do tambor com a baqueta, e o outro usando sua mão para bater na outra pele. Essas estátuas são consideradas a evidência mais antiga da performance no Japão.

Os tambores de taiko foram incorporados no teatro japonês por necessidades rítmicas, atmosfera tradicional e decoração em certas configurações, como no teatro de Kabuki ou no teatro Noh, que usam até hoje o taiko como parte musical e estética de suas obras clássicas.

O taiko continua a ser usado na tradição clássica chamada gagaku, geralmente apresentado na Corte Imperial de Quioto. No gagaku, um componente da arte é a dança tradicional, guiada em parte pelo conjunto rítmico do taiko. O instrumento também teve papel importante em muitos festivais locais pelo Japão. Antes de grupos de kumi-daiko (apresentação conjunta de taiko) surgirem, após a Segunda Guerra Mundial, foram geralmente usados para acompanhar músicas de rituais religiosos, como o Kagura, uma forma de dança xintoísta, bem como o Bon Odori, a dança no dia de finados.

 

 

Os grupos do kumi-daiko consistem, principalmente, de instrumentos percussivos nos quais cada um dos tambores exerce um papel específico. Dos diferentes tipos de taiko, o tambor mais usado nos grupos é o nagado-daiko, construído por duas membranas de couro presas por tachas com madeira escavada. Os chū-daiko, intermediários, são comuns em grupos de taiko e visariam representar a voz principal do grupo, enquanto os shime-daiko, pequenos, com 40 cm de diâmetro, definiriam e mudariam o andamento. Os ō-daiko, maiores, tocariam um pulso firme, subjacente, que consiste em contraritmos da parte do shime-daiko.

Os tambores não são os únicos instrumentos tocados no grupo. Outros instrumentos japoneses também são incorporados além da percussão, incluem o atarigane, um pequeno gongo, quase do tamanho de uma mão, tocado com uma pequena baqueta. Dos instrumentos de sopro usados, as flautas de bambu,  como o shakuhachi (vertical) e o shinobue (transversal), algumas vezes acompanham os grupos de kumi-daiko.

Chamadas ou gritos chamados de kakaegoe ou kiai são normalmente empregados em apresentações de taiko. São geralmente usados para encorajar os outros tocadores, podendo ser usados como um sinal para transições ou mudança na dinâmica da performance, como um aumento no andamento.

 

Kaoly Asano, GOCOO – Tokyo Tribal Groove Orchestra (Japão)

 

Kaoly Asano começou em 1991 como tocadora de taiko e instrutora na Baren-Taiko, em Asakusa, Tóquio, no Japão. Em 1997, formou o grupo, GOCOO – Tokyo Tribal Groove Orchestra, e continua como líder, compositora e intérprete, estabelecendo um novo estilo de fusão mundial do taiko.

 

 

Estabeleceu o TAWOO Taiko dojo em 1997, dando aulas, realizando workshops e atuando em vários eventos, incluindo escolas de jardins de infância e universidades. Abriu dojos irmãos em Hokkaido, Yokohama, Chiba, Ise, Nagano, Hamburgo, Xangai e Brasil, ensinando taiko dentro e fora do Japão. Todos os anos, desde 1997, produz ao lado de membros do GOCOO, TAWOO Taiko Dojo e membros dos dojos irmãos um festival, o TAWOO Rhythm, para artistas de taiko.

Com o GOCOO, esteve em turnê pelos Estados Unidos em 2000 e têm apresentado anualmente no mundo e principalmente à Europa, desde 2003. Em maio de 2020, realizaram 242 shows em 40 países.

 

 

Suas composições foram utilizadas na trilha sonora dos filmes Matrix Reloaded e Matrix Revolutions. Também fez shows na Europa e América Latina, além de Austrália e outros países, se apresentou em shows de vários gêneros e grandes festivais, incluindo WOMAD, no Reino Unido, SZIGET, na Hungria, Montreux Jazz Festival, na Suíça, e Festival BOOM, em Portugal.

Em sua carreira solo, participou da Terceira Conferência Europeia de Taiko em Hamburgo, em 2018, como líder do workshop. No ano seguinte, esteve no retiro kaDON para a comunidade taiko dos Estados Unidos, em Wisconsin, também como líder do workshop. Em fevereiro de 2020, participou do show do HERbeat, em Minneapolis, como uma das representantes femininas de taiko do Japão. Participou do documentário HERbeat, integrando o elenco.

Também se apresentou em Capital Europeia da Cultura na Áustria (2002) e na Grécia (2006), Festival Cervantino no México, um dos maiores festivais da América Latina (2005), Festival Mawazine, patrocinado pelo Reino de Marrocos (2008 e 2011), e Concerto COP10, Live Nature, patrocinado pelas Nações Unidas na Alemanha (2008).

 

“Todas as músicas apresentadas nesta oportunidade foram criadas e tocadas como repertório do GOCOO. Originalmente, essas músicas consistem em várias partes, tocadas por 12 integrantes. Especialmente para o projeto “Música no Castelo”, realizei um arranjo para tocar em formato solo. Certamente numa sessão solo é possível ouvir o som de apenas uma pessoa, mas pude sentir os sons dos integrantes do GOCOO e de todas as pessoas com quem me apresentei no Japão e no mundo. Foi uma feliz e incrível experiência. O som de todos se encontra dentro de mim. Sinto-me preenchida pelos sons de todos. Se eu tivesse criado esta música para ser tocada em formato solo desde o início, provavelmente não teria conseguido compor uma música como esta. Neste momento, em que de repente tivemos que manter distância das pessoas queridas; neste momento, em que as pessoas não podem se reunir, abraçar ou beijar; no instante em que subitamente fui deixada sozinha, pude compreender o quão vivíamos num ambiente de conexão com as pessoas. Que este som alcance o coração de todos. Oro profundamente para que os dias em que todos nós possamos nos reunir, rir e nos abraçar de verdade, e não virtualmente ou online, retornem o quanto antes”

Kaoly Asano

 

Músicas

寿限無 JUGEM

JUGEM é uma das peças de Rakugo (arte tradicional de contação de histórias) do Japão e conta uma divertida história dos pais que, ao desejarem que seu filho recém-nascido tenha uma vida longa e saudável, acabam dando-lhe um nome absurdamente longo, alinhando diversas palavras de bons presságios, uma ao lado da outra. Existem brincadeiras, cujo desafio é decorar e repetir em forma de jogos de palavras e trava-línguas. Assim, foi criada esta música, como uma brincadeira, na qual foram usadas frases muito longas, como JUGEM. “Nesta oportunidade, apresento, não em forma de música, mas sim como batidas que representam as longas frases do JUGEM”, revela Kaoly Asano.

 

Beat T1

“Além das atividades artísticas do GOCOO, temos um taiko dojo chamado TAWOO, um lugar que proporciona o encontro de qualquer pessoa com o taiko. As tocadas no dojo são simples e apreciadas por todos. É importante que a música seja aprendida através do corpo, não com a mente. O som do taiko dita o ritmo, no momento que o corpo e a mente do percussionista dançam. Espero que todos possam libertar seus corpos e mentes através do taiko. O taiko proporciona um lugar onde todos podem dançar e se divertir em roda, conectando os sentimentos, pois é o instrumento central. Esta música é um arranjo da versão da música de TAWOO para GOCOO. Hoje, tocada tanto pelos alunos do dojo quanto em conjunto com percussionistas de taiko no mundo, tornou-se uma música adorada por todos”

 

ELEVEN

“Esta música foi criada na ocasião do Grande Terremoto do Leste do Japão, que ocorreu no dia 11 de março de 2011 (conhecido também como 3.11). Após o 3.11, todo o Japão se encontrava confuso, desnorteado, assustado, ferido e triste. Foram dias em que tudo parou. Desde que conheci o taiko, foi a primeira vez que vivi dias em que não consegui tocar o instrumento. ELEVEN é uma música que foi concluída em praticamente um dia, como se tivesse sido concebida por si e não quando finalmente os integrantes do GOCOO tivessem se reunido em roda com seus taikos. Naquele momento, embora ainda estivesse confusa e imersa em ansiedade e tristeza, a música concebida era muito, mas muito alegre e transbordava esperança.

Depois de muito tempo, após o canto de Rainbow Warriors, criado em 2000 numa viagem de retiro do GOCOO, com Dennis Banks, um dos líderes nativos americanos ter sido incorporado, a música foi concluída. Desde então, tenho tocado essa música no Japão e no mundo todo, em muitos lugares e com diversas pessoas. Venho dedicando minha vida a expandir o círculo do ELEVEN para o mundo, através do taiko.

O taiko é um instrumento musical que tem o poder de conectar o mundo interior do músico com o universo, através do corpo do percussionista e por meio do som. Seu som permite alcançar uma alma que partiu. Tem o poder de trazer à tona a união das pessoas através dos sentimentos e mostra que a luz da esperança está oculta em nós o tempo todo. Toda vez que toco ELEVEN, sentimo-nos fortalecidos repetidamente.

O título ELEVEN foi denominado a partir do número 11, de 11 de março de 2011. Mas, agora, não se trata somente disso. Seja em qualquer lugar no mundo, e mais do que nunca agora, embora estejamos vivenciando tempos igualmente difíceis, estamos aqui, agora, porque superamos as dificuldades e permanecemos vivos, na medida que as pessoas uniram forças em todos os momentos. Por esse motivo, ELEVEN é também uma oração de esperança direcionada às pessoas no mundo todo e não apenas no Japão. Que um dia possamos tocar ELEVEN juntos.”

 

Ryu-zing

Ryu-zing (deus dragão) é a divindade que controla a água e suas lendas existem em várias regiões do Japão. Ao contrário dos dragões ocidentais, o deus dragão no oriente é o deus propriamente dito. Esta música é uma das minhas favoritas, que criei no início da carreira do GOCOO e que continuo tocando há longo tempo. A música retrata um ser humano que toca o taiko para despertar o deus Dragão adormecido. Ao despertar, começa a se mover lentamente até que, enfim, voa livremente entre o céu e a terra.

 

Ancient RiverMizu no Codoo

“Fiz a combinação de duas músicas: Ancient River “Taikono Kawa” e Mizu no Codoo “Mizuno Kodô”. Uma gota d’água origina-se na nascente das montanhas, reunindo-se em um pequeno murmúrio, gradualmente se torna um rio, enquanto flui contornando as várias paisagens nas montanhas, ora de forma forte, ora de forma silenciosa. Enfim, transforma-se em um grande rio, desaguando no mar e se tornando novamente uma gota da nascente de água. Mizu no Codoo retrata essa magnífica história e Ancient River reflete sobre o rio que existia neste mundo, antes mesmo do surgimento dos seres humanos. A versão original remete à imagem de uma trilha sonora de um filme. Por favor, ouçam o original também”, sugere Kaoly Asano.

 

 

Assista a apresentação de Kaoly Asano no projeto Música no Castelo.

 

SITE OFICIAL GOCOO – TOKYO TRIBAL GROOVE ORCHESTRA

 

Música no Castelo