4. Um final infeliz ?

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No que se refere ao final da narrativa, frustrante para muitos, é importante considerar que estamos aqui diante de uma questão cultural. Isso se refere também à questão do maniqueísmo das personagens. Já nos referimos anteriormente à impossibilidade de se erradicar o Mal; no pensamento oriental, essa ideia está relacionada à filosofia do Yin-Yang:

 

(…) Yin e Yang são dois opostos que, juntos, formam uma unidade. Um depende do outro e são realidade somente em união com seu pólo oposto. O símbolo que conhecemos de Yin e Yang representa a lei universal da eterna transformação. Significa que um deles, quando chega ao seu apogeu, transforma-se no outro.(…) Isso sugere, portanto, que não há nada que seja apenas Yin ou Yang, negro ou branco, feminino ou masculino, magnético ou elétrico, passivo ou ativo, bom ou mau, escuro ou claro. Significa que as mulheres também têm características masculinas e os homens, qualidades femininas, que uma maldade pode ter algo de bom e um ato de bondade pode transformar-se em seu oposto.(…)
A cultura ocidental tende, ao contrário, a pensar em conceitos absolutos. Nossa educação nos ensina a diferenciar claramente entre o bem e o mal.(…) O símbolo de Yin e Yang descreve outra visão da realidade: nem Yin nem Yang podem ser considerados maus ou bons.(…) Expressa que os opostos se atraem, que se condicionam mutuamente, e que cada coisa e cada processo se converte cedo ou tarde em seu contrário.”

(in ECKERT, Achim. O Tao da Cura, p.16-17)

 

Do ponto de vista ocidental, Urashima Tarô tem um final considerado infeliz – o fato de Tarô se transformar em um velho e não poder mais encontrar seus pais. Mas, se pensarmos a partir de um viés oriental, talvez o fato se coloque da seguinte maneira: se Tarô não abrisse a caixa, permaneceria eternamente jovem; ou seja, não conheceria a morte e, consequentemente, não passaria a outro patamar espiritual de existência (no caso, o além-morte ou, ainda, uma “outra vida”). Isso talvez explique os tão “polêmicos” – do ponto de vista ocidental – finais de obras literárias japoneses, e mesmo novelas e animes que, muitas vezes, ou não têm um final definido, ou apresentam um desfecho que contraria a preferência ocidental do “felizes para sempre”.

Cabe afirmar que, em alguns mukashi banashi, esses finais “abertos” não ocorrem, visto que em narrativas como Issunbôshi o protagonista segue uma trajetória muito próxima à dos heróis dos contos ocidentais, desde as suas primeiras versões (a primeira versão deste mukashi banashi encontra-se no Otogizôshi, “Coletânea de Contos Maravilhosos”, datada do século XVI).

Independentemente de suas características, mesmo na contemporaneidade os mukashi banashi mantêm o seu encanto, assim como os contos de fadas ocidentais. Seja em forma de livros ilustrados, animações e em outras formas de transmissão, principalmente aquelas direcionadas às crianças.

Uma modalidade de contação de histórias que tem conquistado espaço nos últimos anos é o kamishibai que, literalmente, pode ser traduzida por “teatro de papel”. Trata-se de histórias que são narradas através de lâminas ilustradas, acomodadas em uma espécie de caixa-palco. Pode-se dizer que praticamente qualquer tipo de narrativa pode ser adaptada ao kamishibai; no entanto, os mukashi banashi são bastante adequados para isso, na medida em que, por não apresentarem uma extensão demasiadamente longa, cabem na quantidade média de lâminas propostas para o gênero, que é de doze.

 

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Considerando-se os países onde a cultura japonesa se consolidou através dos imigrantes, diversos mukashi banashi tornaram-se conhecidos entre os descendentes de japoneses que, fossem crianças ou idosos, muitas vezes travaram contato com essas histórias através da transmissão oral, contadas por seus pais ou avós em sua infância – muito embora, na modernidade, esse traço de disseminação cultural tenda a se tornar mais raro. Por outro lado, em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, onde a presença de imigrantes japoneses não é relevante, o kamishibai tem se difundido principalmente nas escolas de educação infantil, como meio de se desenvolver habilidades orais e escritas.

Podemos dizer, então, que a difusão desta modalidade narrativa se apresenta, na atualidade, como uma forma de se manter viva a tradição através destas histórias, que não só retratam o universo japonês através do tempo mas, também, que trazem em sua essência o modo de pensar de seu povo.

 


 

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