Diogo Kaupatez – Coragem para seguir viagem

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Coragem para seguir viagem

Quando era adolescente, traduzir não estava nos meus planos. Japão tampouco, admito. É que, certa vez, encasquetei que queria aprender caligrafia japonesa. Mas, para isso, era necessário alguma noção de escrita. E foi assim que tudo começou.

Anos depois, agora na faculdade de Letras, recebi o convite de uma colega.

“Eu e alguns sócios abrimos uma editora. De início, pretendemos publicar autores de domínio público. Pensamos no Ryunosuke Akutagawa. Você teria interesse em traduzir? ”

Não. Claro que não. Quem era eu na fila do pão, com meu japonês claudicante?

Mais tarde, reconsiderei. Por que não?

E assim surgiu Contos fantásticos, da finada editora Z. Nele, clássicos como “Rashomon” e “Dentro da mata”, mais tarde adaptados para o cinema por Akira Kurosawa, e releituras de antigas lendas budistas como “O fio da aranha”.

 

Foto Diogo Kaupatez

 

Algum tempo depois, trabalhava como vendedor no setor de literatura de uma livraria na zona oeste. Calhou de serem os dez anos da Cosac Naify. A editora agendou com a gerente da unidade uma apresentação, onde compartilharia um pouco da sua história e as ações comemorativas planejadas. Assim, teríamos que chegar algumas horas antes do início do expediente e, enquanto todos amaldiçoavam o destino, que os obrigava a tamanha provação, considerei levar um exemplar do Akutagawa, devidamente entregue ao editor-chefe, que calhou de estar presente.

Tempos depois, o telefonema.

“Você gostaria de traduzir obras infantis?”

Então, foram publicados Balanço, da Keiko Maeo, Aprendendo com meus amigos e Rabiscos, ambos do Taro Gomi. Trata-se de obras com pouquíssimo texto e bastante ilustrações, com o intuito de fazer brilhar os olhos das crianças, que então puxariam as barras das saias das mães e pediriam com cara de gato do Shrek: compra, compra, por favor.

 

© Cosac Naify / Foto Diogo Kaupatez

 

Enquanto isso, seguia firme e forte na livraria. Minto, fui demitido tempos depois. Agora, garantia a ração dos cachorros como revisor em uma agência de comunicação. Minha tradução é lenta e arrastada, impossível transformar em emprego de tempo integral.

Daí, meses antes de uma edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fui novamente procurado pela Cosac Naify.

“O homenageado da Mostra será o Akira Kurosawa. Estamos com uma biografia do diretor, escrita por uma de suas principais assessoras, que virá ao Brasil participar das homenagens. Entramos em contato com outras tradutoras, porém ninguém aceitou em decorrência do prazo, que é super curto. Aceita?”

Senti no convite uma espécie de só tem tu, vai tu mesmo. Compreensível. Mas, quando no inferno, abrace o diabo, não é mesmo? Aceitei. E À espera do tempo, da Teruyo Nogami, ficou disponível ao leitor brasileiro.

 

© Cosac Naify / Foto Diogo Kaupatez

 

Foi questão de tempo até a Cosac Naify encerrar as atividades. Culpa do alto custo de produção do seu acervo? Do baixo nível de leitura da população? Ou, quem sabe, teria eu um dedo podre?

O desdobramento seguinte mudaria minha vida para sempre.

 

 


 

 

Diogo Kaupatez

Graduado em Letras Japonês, pela FFLCH-USP (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), e Publicidade e Propaganda, pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É Mestre em Cultura Japonesa pela FFLCH-USP e tradutor do japonês e do inglês. Traduziu obras de Ryunosuke Akutagawa, Keiko Maeo, Taro Gomi, Koichi Kimura, entre outros. Em 2016, fundou a editora C.3.3, que se dedica à literatura e cultura japonesas.

 


 

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