2. Revistas Literárias e Publicações

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Embora durante o início do período moderno houvesse uma grande preocupação do governo, com a construção e afirmação de uma literatura autóctone nacional, a fim de comprovar uma herança cultural clássica que representasse uma identidade nacional à altura dos países europeus, com um passado cheio de grandes conquistas territoriais e industriais.

 

A missão do governo Meiji era modernizar a nação. Isso significava a nível político o estabelecimento de um poder absolutista e a implantação de uma constituição; a nível econômico, a adoção do capitalismo e a captação de colônias e a nível cultural, a introdução da ciência e a sua aplicação na forma de tecnologia. (…)
[…]
Nesse ambiente, foi introduzida a ciência moderna. Porém, mais do que pela preocupação cultural, ela provinha das necessidades militares. Dentro das coordenadas do imperialismo que começava a se delinear na segunda metade do século, uma nação para ser livre tinha de ser militarmente forte. Captando essa realidade, o governo Meiji promoveu o fortalecimento das suas forças armadas. No início, a própria industrialização era dirigida para fins militares. (…) Só mais tarde é que essas indústrias seriam privatizadas. Entretanto, os líderes do império nipônico sabiam que uma industrialização avançada só poderia ser alcançada tendo como base uma ciência moderna. (MOTOYAMA, 1994, p. 98 -99)

 

No afã de modernizar-se ou de passar uma imagem moderna aos países com quem travava comércio, o governo japonês enquanto buscava fortalecer-se militarmente, disseminava por meio do envio de suas artes – pintura, xilogravura e literatura – à Europa, a imagem de um Japão etéreo e voltado para a contemplação da natureza e da religião. Ficando em segundo plano, ou até mesmo apagando um histórico de guerras civis e miséria.

Sob esse enorme esforço de estabelecimento de uma identidade nacional moderna, as primeiras universidades foram formadas, como a Universidade de Tóquio, fundada em 1869, que tinha o seu corpo docente formado apenas por estrangeiros. Como apenas os homens tinham acesso a esses espaços, as primeiras escolas literárias formavam-se a partir de grupos ou grêmios nessas universidades, e tinham acesso a bolsas de estudo para cursarem a graduação no exterior. Em contraposição a isso, as políticas educacionais voltadas para as mulheres tinham como foco a base de um núcleo familiar, onde a formação das crianças de uma nação modelo dependeria da formação da mãe. Foi a partir desse princípio que escolas e universidades femininas foram criadas, pensando não na formação da mulher como indivíduo, mas sim como aquela que transmitiria para outras gerações o modelo de nação japonesa tradicional.

 

A ideologia da família de Meiji, incorporada no Código Civil (1898) e expresso no slogan ryôsai kenbo (boa esposa, mãe sábia), codificada nos ideais Neo-Confucionistas de domesticidade feminina, passividade e sacrifício, e estendia as práticas patriarcais dos samurais às famílias de todas as classes. As limitações à liberdade das mulheres, incluindo a proibição de comparecer a reuniões públicas ou aderir a associações políticas, refletiam a impotência de jure na família, onde as mulheres não tinham controle sobre a propriedade ou, no divórcio, uma reivindicação sobre seus filhos. No entanto, mesmo no final do século XIX, as escritoras instruídas exploraram os limites de seu ambiente doméstico, principalmente nas restrições inerentes ao casamento. As lutas de seus protagonistas refletiam ideais elusivos de romance, de parcerias equitativas na katei (casa) e de aspirações de autonomia feminina, se não de igualdade. (ERICSON, 2000, p.641)

 

De acordo com Ericson (2000) uma forma de incentivar o pensamento político do ryôsai kenbo, foi por meio da criação de revistas femininas que transmitiam as regras morais de como a boa esposa e mulher sábia deveria agir. Muitas dessas revistas eram organizadas e dirigidas por homens. Segundo Malagón (2014) “uma das primeiras publicações destinadas a elevar o status da mulher na sociedade, estavam fortemente influenciadas por ideais cristãos, e mais especialmente trazendo a divulgação da Constituição de Meiji de 1889, como a Jogaku Zasshi (Revista da Educação da Mulher)”. (p.188). Assim, de maneira acessível muitas regras morais cristãs e o ideal de uma mulher submissa e tímida foram disseminados via literatura de massa.

 

Capa da Jogaku Zasshi
Primeira edição de 20 julho 1885.
Fonte: Wikimedia Commons

 

Em contraposição a esses códigos de conduta familiar que eram divulgados pelas revistas para as donas de casa e às damas da nova sociedade burguesa que se formava, outro grupo de mulheres que frequentavam escolas de formação técnica e universidades, passaram a criar grupos políticos e revistas com viés crítico feminista se opondo a esse ideal feminino, com publicações de traduções de grandes obras feministas vindas da Europa, assim como o manifesto marxista russo.

Para Ericson (2000) as mulheres que conseguiram publicar e/ou participar de publicações em um momento de grandes mudanças sociais, no qual já havia um modelo moral baseado em teorias religiosas, apareceram principalmente ou apenas por causa da tutoria dos homens que deram visibilidade a elas, ou dirigiam o discurso delas. Surgia nesse momento outro paradoxo, enquanto essas mulheres bem formadas buscavam se colocar no mercado de trabalho, com seu próprio discurso, era também necessário se manter como modelos de mãe, esposa e mulher bem vista na sociedade.

 

No entanto, esses mentores muitas vezes impunham suas próprias expectativas sobre como uma mulher deveria escrever, e os críticos do sexo masculino rotineiramente infligiam estereótipos grosseiros de gênero ao estilo e à linguagem de um escritor. (…) A organização do lar, o trabalho doméstico e a socialização dos filhos, assim como as oportunidades crescentes de trabalho e educação superior, estavam em fluxo e sujeitos a exaustivas, senão, sempre extensas reavaliações do lugar das mulheres. (ERICSON, 2000, p.641 – 42).

 

Assim embora tivessem surgido muitos espaços de publicação sobre a perspectiva feminina, principalmente revistas voltadas a orientações sobre o lar e criação dos filhos, esse ambiente continuava sendo regulado e mantido pelo discurso masculino. Surgia então o questionamento: “Como uma mulher poderia viver e como ela poderia escrever?”

Apesar da política voltada a formação moral da mulher, disseminada por revistas populares, houve escritoras que ultrapassaram essas barreiras sociais com ensaios e romances que descreviam a real situação feminina na sociedade japonesa. As que puderam publicar suas obras, seguindo sua intuição e estilo, tinham uma vida financeira estável. A revista literária com viés feminista mais famosa da época fundada pela estudiosa e feminista Hiratsuka Raichô (1886 1971) junto com quatro outras estudantes da Escola Feminina Japonesa, foi a revista Seitô (Meias Azuis) publicada de 1911 a 1916, “exemplificava o desafio direto às restrições da moralidade convencional incorporadas no slogan “Nova Mulher”” (ERICSON, 2000, p.643).

 

Capa da revista Seitô, por Chieko Naganuma (Chieko Takamura)
Primeira edição, de Setembro 1911. Leitura da direita para esquerda
Fonte: Wikimedia Commons

 

Na primeira edição da revista Seitô, o ensaio de Raichô, um manifesto a ideia da “Nova Mulher”, iniciava-se com a seguinte declaração “no início, a mulher realmente era o sol … agora ela se tornou a lua – brilhando pela luz de outros, dependente de outros para viver, uma lua cujo rosto é tão pálido e pálido como a de um inválido” (HIRATSUKA apud ERICSON, 2000, p.643). O objetivo deste ensaio como notamos nitidamente nessa declaração, foi um chamado às mulheres a assumirem seu papel ativo na sociedade e falarem por si mesmas, sem precisar da direção e orientação masculina ou do governo. Para Ericson (2000) a revista “Seitô iniciou uma série de debates públicos altamente polêmicos sobre a castidade, o aborto e a prostituição” (p.643), o possibilitou o debate desses temas sob uma perspectiva mais livre dos valores morais religiosos.

 

A defesa de Raichô da “Nova Mulher” (1913), publicada em Chuô kôron, abraçou, sem reservas, os termos para ela e seu projeto, para libertar as mulheres dos costumes sexistas, do gênero hipócrita, ou mesmo da dúvida. A nova mulher pode ter sido mais conhecida como uma figura de escândalo ou objeto de desprezo – notadamente por educadores renomados como Shimoda Utako (1854 – 1936) e Naruse Jinzô (1858 – 1919) – mas a grande diversidade de perspectivas feministas e estilos literários em Seito mudou as suposições básicas de o que uma mulher escreveria ou leria. (ERICSON, 2000, p. 643).

 

A revista literária Seitô tornava-se assim um espaço não apenas para a apresentação de novas autoras, mas também como lugar de discussão sobre teorias feministas e maneiras de refletir sobre os valores sociais femininos.

Dentre as escritoras que tiveram obras publicadas nesse período de transição social, destacamos:

 

 

Nessa pequena mostra das produções literárias do início do século podemos perceber que as revistas literárias tiveram grande fator de influência para que essas obras pudessem ser publicadas e lidas.

 


 

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