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“KYOJITSU-HINIKU, Sob a Pele – Sobre a Carne do Japão”

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A exposição de arte contemporâneaKYOJITSU-HINIKU, Sob a Pele – Sobre a Carne do Japão”, evento comemorativo dentro do contexto dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, foi realizada no Pavilhão Japonês do Parque Ibirapuera em São Paulo, no período de 7 a 23 de setembro de 2018. Projeto de iniciativa e curadoria de Naoko Mabon, profissional independente radicada na Escócia, e com a participação dos artistas convidados Juliana Kase, Detanico Lain (Angela Detanico, Rafaël Lain), Takanori Suga, Satoshi Hashimoto e Hikaru Fujii. Com a vinda de Naoko Mabon, Takanori Suga e Satoshi Hashimoto ao Brasil, tivemos a oportunidade de entrevistá-los, juntamente com a artista brasileira Juliana Kase, sobre diversos aspectos da exposição.

 

1 ) A EXPOSIÇÃO

 

Poderia nos contar como nasceu o projeto da exposição?

Naoko Mabon: Em meados de setembro do ano passado, residi durante um mês em São Paulo como pesquisadora. Durante minhas pesquisas sobre a comunidade japonesa da cidade e a identidade do nipo-brasileiro, tive a oportunidade de visitar o Pavilhão Japonês, localizado no Parque Ibirapuera, e me interessei muito pela história, pelo contexto da construção. Nessa visita, pude conversar brevemente com o senhor Osamu Matsuo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social (Bunkyo), que coincidentemente estava ali. Desde então, o Pavilhão Japonês tinha me cativado tanto que depois acabei consultando o senhor Matsuo se o Pavilhão poderia sediar uma exposição. Ele respondeu positivamente, e que estava aberto a propostas. Depois disso, retornei à Escócia e logo comecei a pensar em várias ideias. E, até o fim desse mesmo ano, pude visitar o Japão duas vezes, o que me permitiu encontrar e conversar pessoalmente com artistas e profissionais da área e tornar a ideia da exposição mais sólida.

 

O título da exposição é “KYOJITSU-HINIKU, Sob a Pele – Sobre a Carne do Japão”, e cada artista convidado possui abordagem e conceito artístico variados. O conceito da exposição foi definido primeiro e depois os artistas participantes, ou se elencou os artistas primeiro para em seguida definir o conceito?

Naoko Mabon: Minha decisão foi a de definir os dois aspectos paralelamente. Não me recordo exatamente em que momento me decidi por esse título, mas em um contexto diferente da minha pesquisa no Brasil, entrei em contato com o texto do Professor Kiyoshi Okutsu, ex-docente de Estética da Universidade de Yamaguchi, sobre a teoria artística Kyojitsu Hiniku, de Monzaemon Chikamatsu. Essa teoria define que a arte está entre a pele e a carne, um meio indefinível entre a forma exposta e o consciente que a sustenta. Penso que esse meio fica numa camada extremamente fina, ele é tanto a pele quanto a carne, pois está em contato com ambas; mas ao mesmo tempo, não é nem uma e nem outra. Pensei que essa teoria ajudaria na compreensão do nipo-brasileiro no Brasil, cuja identidade não pode ser facilmente determinada ou como Japão ou como Brasil, pois ela existe exatamente no meio de ambos, caracterizando assim a existência única do nipo-brasileiro. Certamente, enquanto pensava no planejamento da exposição, também refleti muito sobre esse espaço especial que é o Pavilhão Japonês. Foi nesse processo, que fui encontrando os artistas convidados para a exposição. Além disso, gostaria de ressaltar a grande importância da participação da Juliana. No contexto dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, eu quis apresentar várias perspectivas: a do artista japonês, a do artista brasileiro, a do artista nipo-brasileiro. Enquanto a obra da Juliana está centrada em suas memórias, as memórias das pessoas que ela conheceu estão fragmentadamente conectadas. Som e imagem, várias coisas sobrepondo-se, causando lacunas. Sua relação entre o Japão e o Brasil, e sua obra foram essenciais para este projeto.

 

 

Qual foi a sua impressão quando viu pela primeira vez os trabalhos dos artistas participantes?

Naoko Mabon: Primeiro tive contato com a dupla de brasileiros Detanico Lain que concentra suas atividades em Paris. Encontrei-os na Villa Kujoyama em Quioto, em junho de 2017, época na qual eles estavam em meio à produção local. Ambos são semioticistas e também designers gráfico, e desenvolvem obras que transformam linguagem e conceito em formas visuais. Para mim, é possível dizer que suas obras pertencem à genealogia da tendência da “poesia visual” do movimento da Poesia Concreta, que teve início nos anos 50. Em Quioto, eles estavam pesquisando sobre Katsue Kitazono, poeta que apresentou essa tendência ao Japão e desenvolveu-a como “poesia plástica”. Foi uma descoberta emocionante para mim, porque era uma área que eu também estava investigando. A “ONDA”, obra exposta neste projeto, é composta por sal que torna a quantidade de letras da palavra “onda” do português visível no formato de onda. Convidei esta obra por elarepresentar a memória do pioneirismo dos imigrantes japoneses na chegada ao Porto de Santos, depois de uma longa jornada à bordo do navio Kasato Maru, e também a memória de muitos outros que se seguiram cruzando o Japão e o Brasil, transpondo inúmeras ondas; e em especial por acreditar que ela expressa poeticamente a possibilidade e a impossibilidade da linguagem, sobretudo devido à dificuldade comunicacional vivida pelos imigrantes da primeira geração na nova terra. Além disso, havia uma motivação simples de querer vê-la exposta no piso de uma construção em estilo japonês.

Depois, durante minha pesquisa em São Paulo conheci a Juliana. Fomos apresentadas por um conhecido em comum, o artista Iran do Espírito Santo, que me disse: “tenho certeza de que vocês têm muitas afinidades”. E foi como ele disse, passamos o tempo conversando como se fosse um reencontro de amigas de longa data. Conversamos sobre imigração e o significado de ser imigrante, sobre a família dela, e sobre o que o Japão significa para cada uma de nós. Também conversamos sobre nossos trabalhos e o que pensamos sobre arte, mas principalmente sobre nossa identidade, posicionamento, postura e expressão que adotamos no mundo. Ela me ajudou em diversos aspectos deste projeto, e concordo com ela sobre a visão de que a real importância do processo pode parecer, à primeira vista, ser o resultado; mas na verdade, o resultado também só é uma parte do processo.

O encontro seguinte foi com a obra “Encenando Japoneses” do senhor Fujii, na exposição dos trabalhos finalistas da Nissan Art Award, realizada em Yokohama, no outono de 2017. Na ocasião, embora os vídeos de sua obra estivessem sendo exibidos em vários monitores, o tempo de permanência de visitas em grupo era limitado, por isso não pude apreciá-los completamente. Mas, já naquela época minha cabeça fervilhava com a ideia da identidade indefinida do nipo-brasileiro e do Pavilhão Japonês, por isso só o título da obra já foi o suficiente para prender a minha atenção. Baseada no “Caso do Pavilhão Humano”, a obra questiona: “Quais são os critérios para definirmos o japonês como japonês?”, uma pergunta aparentemente simples, mas que no fundo se mostra muito complexa, sobretudo numa época na qual o racismo e o problema dos refugiados tornaram-se particularmente relevantes. Desejei cada vez mais que esta obra fosse exposta no Pavilhão Japonês quanto mais eu conhecia a sua estrutura e o seu propósito, e também por eu mesma já ter me questionado sobre isso ao refletir sobre o nipo-brasileiro. Então, entrei em contato com o senhor Fujii e nos encontramos em um café em Tóquio. A legenda em português foi adicionada especialmente para esta exposição. Ele comentou sobre seu trabalho seguinte já em andamento focado na aparência dos escravos como negros, que mesmo já tendo sido registrada nos Nanban Byobu do período das Grandes Navegações, ele adotou um ponto de vista bastante original. Saber disso me deixou mais empolgada ainda, pois provavelmente comigo seria a primeira oportunidade dele expor sua obra na América do Sul.

Em seguida, encontrei-me com o senhor Suga quando visitei o Takeo Maboroshi Terminal, residência patrocinada por meus amigos da época da faculdade, na província de Saga, onde ele participava como artista-residente. Ambos somos de Kyushu e durante nossas variadas conversas, ele me surpreendeu dizendo: “Até posso perder um braço sem problema, mas faço qualquer coisa em qualquer lugar!”. Obviamente entendi que era uma piada, mas imaginei que certamente ele é um artista que atua com paixão e que compartilharíamos alegrias e tristezas com a mesma intensidade.

Por fim, tive a oportunidade de conhecer a obra do senhor Hashimoto no Instagram de pessoas relacionadas à arte japonesa. Era um trabalho em que as bandeiras do Brasil e do Japão se sobrepunham, e logo me extasiei. Comecei então a investigar de várias maneiras para saber mais sobre o trabalho, o conceito de produção do artista. Entrei em contato com AOYAMA | MEGURO, galeria em Tóquio que representa o senhor Hashimoto, e lá pude encontrá-lo pessoalmente. Descobri na oportunidade que ele trata de várias questões sobre a sociedade, a arte com uma postura própria. Ele e o senhor Fujii já se conheciam, e parecia que alguns fatores estavam se conectando. Infelizmente a falta de captação de recursos impossibilitou a vinda do senhor Fujii e da dupla Detanico Lain nesta ocasião, o que seria a situação ideal.

 

Hashimoto, o que você sentiu ao ser convidado a participar deste projeto, que possui uma forte contextualização tanto pelo espaço expositivo quanto pela comemoração dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil?

Satoshi Hashimoto: Acredito que as obras do relógio e do pôster estão alinhadas com ambos os contextos e também com o conceito Kyojitsu Hiniku, explicado anteriormente pela Naoko Mabon. A minha intenção, tomando estas duas obras como ponto de partida, era o de reunir trabalhos cujos contextos são distantes entre si para que eles se multiplicassem, de modo a desconstruir o ponto de convergência do local e modificá-lo, ao invés de criar novas obras atendendo ao contexto existente. Para muitos dos meus trabalhos, em vez de dizer que eu os criei, talvez seja mais adequado dizer que estou “coordenando” ou “fazendo curadoria” de itens já criados. Na série “Referência”, que domina a minha parte da exposição, adotei a concepção de objeto já conhecida e propagada pelo ready-Made e o Mono-ha, e “fiz curadoria” deatos que estão sendo realizados na cidade, de movimentos de resistência, etc. de forma adjacente a eles.

Os dois relógios sincronizados vem da conhecida obra “Untitled (Perfect Lovers)”, de Felix Gonzalez-Torres. Acrescentei um segundo título a ela: “Untitled (Rio de Janeiro/Tóquio)”. São Rio de Janeiro de 2016 e Tóquio de 2020, os dois países-sede têm relação geográfica de um estar “do lado oposto” do outro, com diferença de 12 horas no fuso. Os dois relógios marcam números iguais, mas um é dia e outro é noite. Nesta exposição, ao mesmo tempo em que é “feita a curadoria” destes “dois relógios” de Gonzalez-Torres, também é “feita a curadoria” de desconstrução do domínio autoral de Gonzalez-Torres sobre os “dois relógios”. E descobri que a relação antagônica dia e noite também está representada na bandeira dos dois países, desenhada no sol no centro da bandeira do Japão e no céu noturno da bandeira do Brasil. A obra do pôster representa a figura do eclipse resultante da sobreposição do círculo do céu noturno ao círculo do sol, que acontece quando se sobrepõem as duas bandeiras mantendo-se a mesma proporção.

Atualmente em Tóquio, há vários empreendimentos culturais que de algum modo se relacionam às Olimpíadas. Projetei estas duas obras quando participei em um deles, tomando esse cenário em Tóquio como contexto. E à parte destes que apresentei aqui, também instalei obras inter-relacionadas a esse contexto, tratando de assuntos como as Olimpíadas de Istambul, a eleição presidencial dos Estados Unidos, o Rock and Roll e as cores representativas. Além disso, reproduzi em massa e ando distribuindo o pôster das Olimpíadas de Tóquio em 1964.

 

Olimpíadas de Istambul?

Satoshi Hashimoto: Istambul era cidade candidata a sediar as Olimpíadas de 2020. E para elaborar o pôster das Olimpíadas desse local não escolhido, utilizei o desenho da lua crescente da bandeira da Turquia, símbolo usual no território islâmico. Como também havia preparado o pôster das Olimpíadas de Tóquio, acabei reunindo três pôsteres contrastantes: um de sol, um de lua crescente e um de eclipse. Além disso, expus todo o histórico de países candidatos a sediar as Olimpíadas, o qual pode ser interpretado como uma lista de encruzilhadas mundial, que surge uma vez a cada quatro anos. Ao lado dessa lista, estava meu trabalho que trata da eleição presidencial norte-americana, que aconteceu no mesmo ano das Olimpíadas. Era Hillary Clinton ou Donald Trump, ou até mesmo Bernie Sanders nas opções, mas se naquele ano elegessem o território islâmico pela primeira vez na história como sede olímpica, pode ser que a situação mundial tomasse um rumo bem diferente.

E sua obra já apresentada no Japão, que tem como tema o ato de dormir, também está nesta exposição?

Satoshi Hashimoto: Sim, assim como foi apresentada no Japão, coloquei em frente aos dois relógios uma placa de madeira deitada com a instrução “durma aqui”. Lendo a instrução, o público opta entre dormir sobre a placa, não reagir e passar reto, ou observar outra pessoa dormindo. O público se encontra durante o dia no Brasil, enquanto é noite no Japão. Ao dormir, o público interrompe a sincronia com as pessoas do local e passa a agir em sincronia com as pessoas do outro lado do planeta, no Japão. Há, na parede direita, a obra composta por uma placa de madeira de mesmo tamanho encostada verticalmente e ao seu lado uma foto de uma pessoa escondida atrás dessa placa, e na parede oposta há papelões encostados verticalmente e uma foto de um sem-teto dormindo em cima de um papelão. As três obras se inter-relacionam, sendo que entre a primeira e a segunda, a placa de madeira é o ponto em comum; e entre a primeira e a última, o ato de dormir mantém a relação. Ou seja, a sincronia ou assincronia acontece também em relação à pessoa escondida e ao sem-teto.

 

2 ) O ESPAÇO EXPOSITIVO

 

Há um ponto em que a obra da Juliana e a do Hashimoto compartilham o mesmo local, como foi a decisão dos dois artistas sobre o espaço das obras?

Satoshi HashimotoAo chegar no local, conforme conversávamos e conhecíamos as atividades um do outro, decidimos expor lado a lado, criando um novo espaço.

Naoko Mabon: Por acaso resultou num trabalho colaborativo.

 

Quer dizer que o espaço expositivo de cada artista não estava definido em detalhes?

Naoko Mabon: Podemos dizer que não, pois pensei que provavelmente os artistas chegariam aqui, um  espaço atípico, e seriam pegos de surpresa com um ambiente diferente do que estariam imaginando. Com isso, pensei que a melhor opção seria reunirmos todos no local para decidirmos como fazer. Acredito que este método funcionou principalmente para as obras do senhor Hashimoto, que são instalações que interagem diretamente com o ambiente.

As obras do Hashimoto se instalaram harmonicamente no espaço interno do Pavilhão Japonês mesmo ele sendo um ambiente bem singular. O espaço interno do edifício foi compartilhado por todos os artistas, mas a enorme obra do Suga está erguida na área externa. Ela já estava com a posição de instalação definida?

Takanori Suga: Desde a minha partida do Japão, fiquei pensando onde deveria instalá-la, mas havia decidido que iria encontrar e definir o seu formato físico aqui no Brasil.

 

Normalmente costumam encontrar o motivo de suas obras localmente?

Takanori Suga: Acabo encontrando sem sequer procurar. Penso que algo como o incosciente, que o ser humano esconde, acaba ficando aparente em aspectos como num rabisco de um número de telefone de alguém, coisas que são consideradas bagunçadas e que geralmente não atraem o olhar. E, às vezes, acabo me inspirando com o número “0” garranchado dessas anotações. Também recebo inspiração de marcas de respingos de tinta de serviços de pintura malfeitos. Então ando por aí olhando sempre para baixo. Acabo sendo absorvido pelas ruas de São Paulo de tantas coisas que elas têm.

Naoko Mabon: Tenho a impressão de que, na arte moderna do Japão, há poucos artistas que produzem seus trabalhos baseando-se em arte urbana.

Takanori Suga: Um dos motivos para eu ter vindo ao exterior no começo da minha carreira foi porque no Japão não existia área de atuação para mim. Eu não me considero como arte urbana, mas se podem me acolher nessa turma ficaria muito contente, também pela admiração que sinto por ela.

Naoko Mabon: Nesse sentido, fiquei muito interessada em ver como a obra do senhor Suga ia se concretizar nesta metrópole abundante em arte urbana que é São Paulo. A obra do senhor Suga possui outro sentido também, bastante técnico e com forte aspecto japonês, e acabei criando expectativas sobre como esse lado japonês da sua obra iria reagir à São Paulo. Quando encontrei o Takanori Suga pela primeira vez, ele me mostrou a foto do Dripping Project realizado em frente ao antigo Kyoto Prefectural Office Building, e me surpreendi pela sua abordagem original diante de uma construção histórica. A partir disso, começamos a pensar dentro do contexto da exposição de como iríamos utilizar o ambiente externo também.

 

3 ) O CONCEITO METODOLÓGICO DO PROJETO

Nesta exposição, os elementos papelão e pedra marcaram presença nas suas obras. Hashimoto, poderia explicar um pouco mais sobre seus trabalhos?

Satoshi Hashimoto: Nesta série “Referência”, que compõe grande parte da exposição, utilizei elementos como pedra, tijolo, toco de madeira, cano de ferro, papelão, ora catados na rua ora comprados; e ao lado de cada um coloquei uma foto, de forma estática e sem nenhuma intervenção, que ilustre ações de uso de cada objeto. A série foca em formas acadêmicas, museológicas, tais como exibições e suas legendas, artigos e ilustrações de referência, etc. E, o foco não está em apresentar referências relacionadas a um tema específico, mas está em evidenciar a existência do ato de “referência”.
Na obra “Pedra e Referência: Jogar pedra”, que conta com 8 itens expostos, anexei imagens divulgadas pela mídia de “atos de jogar pedra”, ocorridos em diferentes localidades e circunstâncias, como na manifestação contra o Governo na Venezuela, na Primavera Árabe, na Palestina. Ao anexar como referência imagens de “atos de jogar pedra”, é acrescentado um fator histórico-político na “pedra”, que é originalmente neutra. E ainda, as referências não interagem uniliteralmente, a “pedra” também é referência das fotos. Ao colocar uma “pedra” estática como referência das imagens fotográficas, nós reduzimos os fatores histórico e político da ação de “jogar pedra” e abstraímos o ato em si. Outra colocação é que esta série funciona também como se fosse uma instrução, um exemplo de uso do objeto exposto, pois expõe uma imagem de ações em que cada item está sendo usado. Aqui crio expectativas de que o público tome atitudes após sair da exposição, ao contrário da obra sobre “dormir”, com a qual se espera uma ação imediata.

 

Qual o motivo para você focar em ações como “dividir” e “bater e quebrar”, que no geral são ações simples e básicas?

Satoshi Hashimoto: Tomando o “ato de jogar pedra” como exemplo, é possível dizer que é uma ação primitiva executada desde a Idade Antiga nas caças, nas batalhas, nas brincadeiras, que é entendida como uma ação impulsiva. É interessante quando se percebe que esse tipo de ação se repete com frequência nos protestos e rebeliões dos dias atuais. O que será o objeto protestado que precisa tanto ser vencido? Mesmo as ações estáticas como “ficar em pé”, “ver”, tem a possibilidade de desestabilizar paradigmas deste mundo quando acontecem ultrapassando certos tipos de limite. Assim, posso dizer resumidamente que na maioria das vezes foco em ações destrutivas. Destruição esta que elimina dominações, nas quais o espaço é apropriado por uma variedade de elementos. Podemos dizer que não é destruição para deixar um registro posterior, mas a que age na abertura do espaço em si. Como Benjamin descreve em “O Carácter Destrutivo”, é o “crie o espaço”. Sinto-me atraído pelos terrenos vazios entre prédios, que surgem com a demolição de algum edifício. Não é pela vinda de uma nova construção e nem pela projeção de uma nova praça, é pelo terreno vazio em si, com ar de ruína após a destruição. Isso é distinto de um vasto campo inabitado. Não é empreiteira, desastre natural ou conflito, e nem mesmo um espaço público; de certa forma, o ato de constantemente buscar esse tipo de situação pode ser considerado arte, não acha?

Naoko Mabon: Acredito que o assunto sobre o terreno vazio expressa bem o trabalho do Hashimoto. Por exemplo, embora se trate do mesmo terreno vazio, o significado muda completamente entre aquele no meio da metrópole e o outro nas montanhas no interior do Japão. O significado e a maneira como se enxerga o terreno em si varia de acordo com o espaço e a cultura que o cerca. Existe uma semelhança no método adotado por mim para fazer curadoria e no conceito dele, pelo fato de inserir o seu trabalho sobre as Olimpíadas, que possui forte contexto, num ambiente também fortemente contextualizado, que é o Pavilhão Japonês. Sinto que ao trocarmos o contexto, a difusão da obra em si acaba se tornando mais rica.

 

Juliana, foi comentado sobre colaboração anteriormente, qual o conceito metodológico adotado nos seus projetos? A colaboração realmente é um dos seus focos de interesse?

Juliana Kase: Isso varia conforme a obra. Há obras que sequer interfiro como artista-criadora. No meu projeto passado “Pixo Xodō”, participei como artista-propositora. Enquanto o Shodō (caligrafia japonesa) é uma cultura tida como nobre, o Pixo é categorizado no extremo oposto. Mesmo assim, eu senti algumas semelhanças essenciais entre eles. Ao comparar a prática das duas expressões caligráficas, há semelhanças, como o registro do tempo vivido, a influência direta do movimento corporal na expressão, a sensibilidade aguçada para percepção do espaço; então, tive a intenção de promover um espaço para o encontro de artistas que as praticam. Portanto, não sou necessariamente eu que expresso a arte. Esta abordagem escapa do jeito de um artista comum, isso tem muito a ver com o editor-artista e poeta nipo-brasileiro Massao Ohno. Ele era um excelente artista, que tinha como linguagem a editoração de livros e foi muito respeitado por isso. Nessa atividade, ele apresentava trabalhos de outros poetas, que se tornavam amigos e realizavam colaborações. Então sinto que falta algo quando penso no artista que produz tudo sozinho ou apenas visualmente. Dizem que o Massao recebeu propostas de trabalhar em editoras grandes, mas manteve suas atividades de forma independente, garantindo-lhe sua liberdade. Suas atividades se centravam no ramo da poesia, uma categoria extremamente difícil de prevalecer no Brasil, o que demonstra sua competência acima da média. Além disso, ele era um editor muito acessível. Se ele gostasse da obra, publicava-a mesmo que não fosse de um autor renomado. Assim, os escritores debutantes lançados por ele podiam se apresentar com um livro impresso quando quisessem trabalhar com uma editora grande.

 

Ou seja, ele trabalhava como se fosse praticamente um produtor ou coordenador. Afinal, como você entende o posicionamento do artista brasileiro?

Juliana Kase: Massao foi um artista, um dos maiores na cultura brasileira e nipo-brasileira, sem precisar, no entanto, se auto-afirmar ou ser reconhecido enquanto tal. No Brasil, só as pessoas que pensam “eu quero ser artista” conseguem se tornar artistas. O mercado brasileiro de arte estava bom até alguns anos atrás, e naquele período havia mais artistas se comparado aos últimos anos. Isso mostra um fato interessante, pois podemos dizer que aqueles que continuam ativos são os que verdadeiramente sentem necessidade de viver artisticamente, ou seja, a arte como algo vital. Isso se assemelha ao período das décadas de 1960 e 1970, quando os artistas trabalhavam pelo impulso de quererem se expressar. Pensando dessa forma, eu e o Hashimoto tomamos referências parecidas de artistas e de história da arte. Porém, acho que nossas formas de exteriorizar a obra são totalmente distintas.

 

Vocês não tinham conhecimento desses aspectos em comum até este encontro no Brasil?

Juliana Kase: Não, não imaginava uma semelhança como essa entre nós.

 

Suga, como é seu conceito?

Takanori Suga: Minha obra necessita mais da paisagem do que das construções. Ela ganha sentido ao se debruçar e esconder parte da construção. O local desta exposição fica na parte de trás do Parque Ibirapuera, onde o movimento de pessoas é pequeno e a passagem do tempo é mais vagarosa e tranquila, e frequentemente são locais onde coisas raras são resguardadas. Podemos dizer que um lugar assim é composto de complexas camadas históricas, e ao realizar o dripping sobre ele, surge a possibilidade de se criar uma nova percepção da paisagem existente.

 

É muito interessante pensar que seu trabalho centra-se no ato de esconder, e que possui um direcionamento diferente da sua admiração pelo grafite.

Takanori Suga: Acredito que o grafite constrói o aspecto da cidade, tornando-se parte dela. E,  podemos dizer que a sua aparência é de algum modo padronizada. Meu ato é o de colocar uma sombra sobre esses cenários, esperando que isso mude a perspectiva de como eles são vistos após a remoção dessa cobertura. Por isso, acho que os que mais reagem ao fato de encobri-los são os que mais entendem a real intenção da minha obra.

Naoko Mabon: Faz sentido dizer que ele trabalha mais para criar o nada do que para acrescentar algo.

Takanori Suga: Isso mesmo, mas para criar esse nada, é necessária a existência de terceiros, que interagirão e desvendarão o outro lugar.

 

Podemos dizer que enquanto o Suga adota uma abordagem espacial, você, Juliana, adota uma abordagem temporal?

Juliana Kase: Geralmente costumo criar trabalhos de maneira lógica. No entanto, desta vez eu desenvolvi o trabalho com uma metodologia muito subjetiva. Por exemplo, os projetos documentais que fiz até hoje consideram o que cada cena signfica, o que estou mostrando, onde o trabalho quer chegar, como o som afeta a imagem, etc. Em contrapartida, este trabalho separa intencionalmente o vídeo e o som reproduzidos. O filme dura 10 minutos e o áudio aproximadamente 18 minutos, por isso eles se desencontram toda vez que são reproduzidos. Enfim, a obra terá mudado a cada visita, ou seja, esse formato seria impossível de ser vivenciado numa sala de cinema comercial, sendo unicamente possível no formato de exposição. Criei esta obra de forma colaborativa com várias pessoas. As filmagems no Japão foram feitas usando câmera 8mm que peguei emprestado lá, fiz a sua edição junto com outro amigo, que conheci pela mídia independente Jornalistas Livres. Elenquei algumas das filmagens coletadas e as entreguei, e com base na edição feita por ele, fomos discutindo sobre como elaborar o projeto. Pretendi que a edição fosse inconsciente naquele momento, pois isso traria  ao trabalho a intermitência que se encontra no extremo oposto da composição lógica.

 

Foram utilizados materiais de filmes que pareciam extraídos de muito antigamente.

Juliana Kase: Na verdade, todas as filmagens são recentes, de 2016 para cá. Portanto, são imagens de dois anos da minha vida. Como o tema central é o tempo, a forma de captação mudou um pouco em cada parte. Por exemplo, se há filmagens feitas com celular, também há aquelas filmadas em câmera e em filme. Isso também diz sobre o tempo, enquanto linguagem.

 

Então minha compreensão foi completamente equivocada.

Juliana Kase: Não completamente. Pois a noção temporal trazida pela linguagem do filme é esta, mais antiga, que se mistura à imagens digitais. O sentimento de Ichi-go Ichi-e foi tratado com extrema importância durante a realização dessas filmagens. É o mesmo que senti quando encontrei minha amiga no último dia da minha estadia em Tóquio, de que talvez nunca mais esse encontro poderia se repetir. Essa percepção do tempo pode explicar o por quê da aparição frequente de idosos, como uma  senhora de 104 anos e minha amiga de 80 anos. Algumas vezes fico imaginando qual a sensação dos idosos quando eles pensam sobre o futuro, se eles pensam que não há mais tempo restante. Também pode explicar o título que é “mortemetro”, um anagrama, e um fato que me marcou, no último dia de filmagem em super8, uma pessoa morta foi retirada dos trilho do metrô de São Paulo.

Enfim, essa noção de tempo fluente, não deixa de conter algo de nostálgico, algo que se perde, algo que finda, algo que morre, e essa talvez tenha sido a tônica do vídeo e da primeira viagem que fiz para o Japão, onde realizei grande parte das filmagens e onde, olhando em retrocesso, eu talvez tenha inconscientemente esperado reencontrar minha avó e a cultura trazida por ela. Obviamente não as encontrei e me dei conta, por fim, que não encontraria mais. Penso que este vídeo é um dos trabalhos mais pessoais que fiz, e que por isso mesmo tenha sido freito de maneira livre e não linear, respeitando o inconsciente, os processos intuitivos e as associações livres.

Performance de dança com Beatriz Sano; de som com They-Group, áudio-vídeo instalação de Juliana Kase; máscara de Nō pintada de Takanori Suga. 22 de setembro de 2018

 

4 ) A PERFORMANCE

 

Falando em Ichi-go Ichi-e, gostaria de perguntar ao Hashimoto, organizador do workshop desta exposição, como foi o workshop?

Satoshi Hashimoto: Vim a São Paulo sem planejar muita coisa do workshop. Ao concluir a instalação geral da exposição e explorar a cidade, cheguei à ideia de usar pedra e papelão, que eu poderia catar pelas ruas da cidade. A primeira parte da oficina foi com o papelão. Todos os participantes se reúnem, seguram um único papelão com uma das mãos e o rasgam. As pessoas se separam de acordo com a forma que o papelão se rasga, e continuam rasgando até cada um possuir seu pedaço. Depois, cada um o nomeia com o nome de um país. Essa situação criada se assemelha bastante com a formação territorial, tanto a natural, oriunda do movimento das placas tectônicas, quanto à construída pelo ser humano, por meio dos conflitos. O território de cada país veio sendo moldado por movimentos violentos e, de certo modo, essa forma é informal, mas será que existe objeto informal no mundo que as pessoas memorizam e se importam tanto quanto este?

 

 

 

Quer dizer que foi se escrevendo o nome em cada pedaço de papelão, um por um?

Satoshi Hashimoto: Não, os participantes formam uma fila em frente ao computador, como numa inspeção imigratória, e cadastra dados em imagem e texto. Recolhi o papelão de um resquício de permanência de um dos vários moradores de rua espalhados pela cidade de São Paulo. Então esse papelão era o mínimo do território que o morador de rua possuía para dormir, e os participantes repartem esse mínimo em pedaços ainda menores e levam para suas casas.

 

Poderia explicar sobre a pedra também?

Satoshi Hashimoto: Coletamos na cidade, pedaços de concretos de calçadas que estavam deterioradas e soltas. Os participantes, um por um, martelaram esses pedaços de concreto, partindo-os em pedaços menores. Cada um escolheu um pedaço de pedra resultante, e o levou para casa após realizar o seu cadastro da mesma forma a qual foi feita com o papelão. Podemos dizer que o concreto é uma pedra da zona urbana.  Esta forma de produzir pedaços de pedra também é a forma de se obter as pedras utilizadas no “ato de jogar pedras”, quando estamos na área urbana. Pensei em conscientizar os participantes sobre a estrutura do evento repetindo ações semelhantes tratando o papelão como superfície plana e a pedra como um objeto tridimensional, bem como conscientizá-los sobre a relação deles com a exposição.

Naoko Mabon: Foi interessante ver todos levando embora pedaços quaisquer de pedra ou papelão. Era como se criassem um apego apenas pelo fato de dar-lhes um nome.

 

Por que trabalha com o tema dos moradores de rua?

Satoshi Hashimoto: Havia falado sobre terrenos desocupados após a demolição de prédios, mas existe um jeito de ser que tenho tanta atração quanto, é o jeito de ser dos moradores de rua. Por exemplo, comerciantes que se beneficiam transportando riquezas entre regiões distintas, ou artistas que realizam exposições ou residências atravessando diversos países, podem ser consideradas pessoas internacionais; o jeito de ser do Estado Islâmico, que atua em diversas nações, também pode ser considerado de certo modo como internacional. Enquanto o internacional tem o poder de superar as influências dominantes trazidas pelas nações e pelas regionalidades, também tem o aspecto de explorá-las habilmente para promover ainda mais algum tipo de hierarquia. Os moradores de rua não transitam entre os países, são seres independentes que não se enraízam nem numa nação e nem numa região. Penso que o jeito de ser que devemos buscar no momento em que tentamos romper a influência dominadora da sociedade não está nos empreendedores, nos acadêmicos, nos artistas que transitam por exposições internacionais, no imperialismo ou no Estado Islâmico. Mas sim nos moradores de rua. De resto, acho que o fato de meu pai ter estado numa situação próxima a de um morador de rua também deve ter me influenciado.

 

5 ) A EXPOSIÇÃO NO BRASIL E O CENÁRIO ARTÍSTICO DO JAPÃO

 

Qual foi sua impressão sobre ter realizado uma exposição no Brasil? Poderia também explicar um pouco sobre o cenário artístico japonês? Acredito que especialmente no Japão, estão surgindo diversos festivais de arte.

Naoko Mabon: Fora do Japão, já participei anteriormente de projetos na Europa, Taiwan, etc. Este projeto é o primeiro que realizo fora da Ásia ou da Europa. No Brasil, a maneira de trabalhar foi completamente diferente daquilo que eu tinha vivenciado até hoje. Por um lado, há muitas pessoas bem-humoradas e descontraídas; por outro, senti que trata-se de uma sociedade que dá muita importância ao sistema burocrático, até mais do que eu esperava. Houve vários obstáculos para a realização do projeto, mas acho importante que o Brasil e o Japão continuem se conectando por meio de projetos como este, então certamente penso em realizar outros aqui. Fico grande parte do tempo fora do Japão, por isso passo a pergunta sobre o cenário artístico no Japão para o Suga e o Hashimoto.

Takanori Suga: Participei de festivais de arte em diversas regiões do Japão, mas não sei qual é o nível de compreensão do público em geral quanto à arte. Mas certamente o fomento para as pessoas que se dedicam às suas obras é bem generoso.

Satoshi Hashimoto: No Japão, os curadores de muitos museus públicos ou festivais de arte estão ligados à organizações montadas sob os asas do Governo, com baixo nível de independência. Além disso, a não ser em casos de exposições internacionais, a maioria tanto dos curadores como dos artistas participantes são “japoneses”. No Brasil, pude ver diversas curadorias que tratam questões de gênero e raça, mas no Japão elas são muito escassas e a abordagem social em geral é fraca. Podemos dizer que isso não se aplica apenas ao cenário artístico, mas à sociedade japonesa como um todo. Lá, a conscientização sobre os imigrantes é pequena, e na grande maioria dos casos, as organizações são lideradas totalmente por “japoneses”. Num país assim, o Carlos Ghosn, da Nissan, é um caso raro. No Brasil, há muitos imigrantes da República do Líbano, assim como imigrantes do Japão. O fato de ele ter nascido no Brasil como filho de imigrantes libaneses, atuando posteriormente na França e no Japão, é uma história bem interessante que remete ao percurso dos Jogos Olímpicos atuais, que transitou do Rio de Janeiro para Tóquio, e a seguir para Paris. No entanto não quer dizer que eu tenha simpatia pela empresa.

 

Que tipo de imagem o artista tem no Japão?

Satoshi Hashimoto: Talvez ainda seja muito forte aquela imagem do artista ser um explorador da estética, com pinturas e esculturas que parecem ter o Impressionismo ou o Picasso como modelo a ser atingido. As pessoas imaginam que os artistas trabalham seguindo suas individualidades ou introversões, e de fato os artistas que atuam no Japão muitas vezes trabalham no plano da introversão ou inspirados por interesses ao seu redor, e tendem a ser menos conscientizados quanto ao próximo. Mesmo que o artista seja extrovertido, há muitos trabalhos que tomam como pressuposto a identidade da comunidade, devido à característica de uma sociedade fechada que parece resultar de uma escala populacional relativamente grande para um país insular.

Naoko Mabon: Eu também sinto que os temas dos trabalhos no Japão são, em sua maioria, pessoais. Ao chegar no Brasil, tive forte impressão de que aqui, bem como na América do Sul como um todo, existem muitas obras engajadas socialmente, inclusive por ter vivido contextos históricos severos até épocas recentes, como regimes ditatoriais. Nesse ponto, quer dizer que o próprio artista é muito sensível, especialmente quanto à violência e à repressão, e ao fato de estar em liberdade. Um outro ponto que me impressionou, do lado negativo, é o quanto nós japoneses somos ignorantes sobre a história e a contemporaneidade da América do Sul, inclusive sobre as artes e os imigrantes japoneses. Os livros didáticos japoneses não dão tanto espaço à América do Sul. É uma parte da história que não temos acesso, a não ser que busquemos deliberadamente conhecê-la.

 

Hashimoto, poderia explicar um pouco sobre o Artists’ Guild com o qual você está envolvido?

Satoshi Hashimoto: O Artists’ Guild lançou, por iniciativa de um coletivo de artistas, um sistema de compartilhamento de equipamentos, para tentar criar um domínio autônomo em relação às agências governamentais ou ao mercado.  Eu também atuo no An Art User Conference, que é um coletivo que não é limitado à artistas, e também no Kiso Geijutsu Contemporary Art Think-tank. Estas iniciativas não buscam jeitos de ser baseados em divisões de papéis como artista, curador, pesquisador, público, cidadãos, mas sim buscam um novo jeito de ser que desmonta esse tipo de divisão em si. Na Europa Oriental ou na América do Sul, há muitos artistas com os quais me simpatizo. Talvez seja porque, além de eles trabalharem em situações de pobreza e dificuldades, tenho simpatia por inclinações artísticas que surgem de um contexto diferente da Europa, Estados Unidos ou Países Ocidentais. No Japão, também há elementos de dificuldade semelhantes as duas regiões, mas é uma percepção bastante distorcida. Como uma potência econômica, e pelo seu desenvolvimento com prioridade na economia, criamos uma espécie de ambiente pobre com raízes profundas. Em meio a essas dificuldades distorcidas, a sinceridade não é bem vista, e as posturas cínicas são difundidas. No entanto, ainda que em pequeno número, existem trabalhos maravilhosos que nascem exatamente por enfrentar essas dificuldades. Talvez o ponto em comum entre esses trabalhos e os trabalhos dos artistas com os quais me simpatizo na Europa Oriental ou na América do Sul possa ser o jeito de ser dos marginalizados. E isso também se relaciona com o jeito de ser dos “moradores de rua” e dos “terrenos desocupados”, que mencionei anteriormente.

 

Teria algum comentário final?

Naoko Mabon: Eu realmente tive a colaboração de diversas pessoas para a realização deste projeto. A Juliana, em particular, participou como artista, mas sobretudo assumiu diversos procedimentos, e também nos conectou a muitas pessoas. Ela nos conectou ao James Kudo, e ele nos apresentou ao Roberto Okinaka, que trabalha no Museu Afro. Isso foi muito importante. Graças a isso, o projeto se expandiu em diversas direções. Este projeto começou a partir da minha ideia, mas posso dizer que é um projeto de todos e que se realizou graças à colaboração de todos. Gostaria de expressar mais uma vez a minha gratidão aos colaboradores do Bunkyo, aos artistas, às instituições culturais de São Paulo e às pessoas que nos ajudaram como voluntários.

 


Profile

Naoko Mabon é uma curadora independente, natural de Fukuoka e residente na Escócia. Concluiu Pós-Graduação em Artes na Universidade de Arte de Tama, em 2007. Desde a época da pós-graduação, estagiou e trabalhou por cerca de 10 anos em Museus de Arte públicos e privados e galerias do Japão e do Reino Unido. Reside na Escócia desde fins de 2011. No verão de 2014 inicia o WAGON, sua própria prática curatorial. Trabalhos próximos ou recentes incluem: Ilana Halperin: The Rock Cycle(Yamaguchi) (2019-2021, Yamaguchi e Escócia); Leaves without Routes: Nemo Hamo Nai(2016, Taipei, Taiwan); Bushiro Mohri solo exhibition(2016, Gunma); colaboração para o livro “Roger Ackling: Between the Lines” (Occational Papers, 2015), entre outros.

Satoshi Hashimoto nasceu em Tóquio em 1977. É analista, anarquista, artista, árabe, abstrato, ato. Principais obras: Can’t Go, Please Come (ARCUS, Ibaraki, 2010); Omnilogue: JOURNEY TO THE WEST(Lalit Kara Academy, Nova Deli, 2012); Arbitrary Decisions and Prejudices: Divide the Audience(The National Art Center, Tóquio, 2012); False name (on 14 EVENINGS)(The National Museum of Modern Art, Tóquio, 2012); I was Leonardo da Vinci. I sell my soul. I sell heaven(AOYAMA MEGURO, Tóquio, 2013); Nation, Dice, Instruction(Daiwa Foundation, London, 2014); MOT Annual 2016 Loose Lips Save Ships (Kisei no Seiki)(Museum of Contemporary Art Tokyo, 2016); Everything and Others(LISTE, Basiléia, 2016); Fw: Outside the Country, Japan-Malaysia(Aeroporto Internacional, Aeronave, Malásia, etc. 2016); The World’s Three Major Round Things: the Sun, the Moon, the Eye(Aoyama, Meguro, 2017); Night – Time = Darkness (Hans & Fritz Contemporary, Barcelona, 2018), etc.

Takanori Suga vem trabalhando em vários projetos indoor e ao ar livre, incluindo: TAKEO MABOROSHI EXPERMENT 2017 (artista em programa de residência, Takeo, Saga, 2017); Wall Drawing for Komagome SOKO (trabalho comissionado, Komagome SOKO, Tokyo, 2015); Residency in Australia (residência espontânea na casa de um velho arborígene australiano que Suga conheceu através de uma inspiração da cultura dos nativos da Autrália durante sua estada no país, 2014); Dripping Project (Former Kyoto Official House, Kyoto, 2013); KOSHIKI ART EXHIBITION 2012 (Koshikijima Islands, Kagoshima, 2012); Tokyo Wonder Wall Exhibition (Museum of Contemporary Art Tokyo, Tokyo, 2012). Em 2016, Suga venceu o Grand Prix pelo ‘Programa ART IN THE OFFICE’ da Monex, Inc.

Juliana Kase é artista plástica e trabalha em diversas linguagens artísticas para as quais não vê fronteiras distintas. Seu interesse está no papel e entendimento que a arte assume em diversas culturas e diferentes períodos. Desde 2004 tem participado e realizado exposições em espaços institucionais e independentes no Brasil e no exterior, tais como o Centro Cultural São Paulo, Funarte RJ e SP, Passagem Literária da Consolação, Museu Nacional Reina Sofia, Casa Modernista, Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, Museu Nacional Honestino Guimarães, entre outros. É mestranda em Cultura Japonesa na FFLCH, USP onde estuda sobre princípios estéticos japoneses pela obra poética do Editor Massao Ohno, sobre quem dirigiu o documentário inédito Editor por Editor, apoiado pelo Rumos e pela Biblioteca Mário de Andrade. Seu trabalho é representado pela Galeria Pilar, em São Paulo.

Créditos

Entrevista: Yuki Yama
Tradução: Kaori Anraku, Carlos Hideaki Fujinaga
Revisão: Grace Nakata



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