Lídia Ivasa – Diferenças entre a tradução literária e a de mangás

Tradução em Foco > Diferenças entre a tradução literária e a de mangás

 

Na maioria das vezes, o texto literário se encerra em um volume e demanda mais pesquisa do idioma (como expressões idiomáticas, estilísticas e de dialetos – no caso das obras de Jun’ichirō Tanizaki, do dialeto de Kansai) se comparado aos mangás. Já os mangás demandam mais pesquisa de conhecimento geral ou de atualidades. Por exemplo, trabalhei com um título que se passa em uma escola e o professor aborda vários assuntos, de matemática a língua japonesa clássica. Embora fosse apenas uma ou duas páginas de conteúdo, a matéria tinha relação com o enredo do capítulo, e lembro que minha maior dificuldade foi traduzir as longas explicações de modo que coubesse nos pequenos balões de fala ou nos quadros narrativos.

 

© Estação Liberdade / Foto: Lídia Ivasa

 

Esse espaço limitado para o texto, por causa dos balões de fala ou dos quadros da página, precisa trabalhar em conjunto com as ilustrações. Como a língua japonesa tende a ser redundante se comparada ao português, é possível reduzir a quantidade de texto sem prejuízo do sentido. Por outro lado, o uso dos ideogramas utiliza menos espaço e traz mais conteúdo. Tanto na tradução literária quanto na de mangás é comum o uso dos yojijukugo, quatro ideogramas que podem ser entendidos como expressões idiomáticas. Em termos de espaço gráfico, um balão contendo um yojijukugo, como por exemplo, fūrinkazan (風林火山, os ideogramas se referem a vento, bosque, incêndio e montanha), pode fazer referência a um longo trecho de texto: “Seja veloz como o vento, Imponente como um bosque, Ávido como um incêndio, Firme como uma montanha”. (TZU, Sun. A arte da guerra. Tradução por Leonardo Alves. São Paulo: Penguin, 2019.)

Uma frase que se divide por vários balões também é outra questão complicada para o tradutor porque a mensagem principal geralmente vem no final da frase, onde fica o verbo. Em português, na maioria das vezes, a mensagem principal fica nos primeiros balões. Instintivamente nós pensaríamos: “uma inversão na estrutura frasal solucionaria a questão, não é?”. Bom, isso vai depender do tamanho de cada balão de fala – afinal, ela foi desenhada pensando na frase em japonês – e a distribuição desses balões pela página, para que o texto faça sentido com as ilustrações.

 

© Panini / Foto: Lídia Ivasa

 

Além disso, os mangás também possuem uma variedade maior de registros linguísticos. Nas obras de Tanizaki, a narrativa é escrita em japonês padrão enquanto a fala dos personagens está no dialeto de Kansai. Já nos mangás, por ter uma variedade maior de personagens e enredos, temos um alcance maior de registros, que vai do japonês formal com resquícios do japonês clássico (como na fala de militares, para citar um exemplo), o japonês padrão, as gírias, o internetês e dialetos de outras regiões. Desse ponto de vista, o tradutor que não acompanhar as notícias ou tendências no Japão pode ter dificuldades para identificar essas expressões.

 

 


 

<< 2. Experiência com tradução de mangás  //  4. Contribuições da pesquisa em tradução para a prática tradutória >>

2[ 3 ]4

*Os usos de imagens e conteúdos desta página são exclusivamente para fins educacionais e de divulgação de cultura japonesa, sem fins comerciais.