Lídia Ivasa – Contribuições da pesquisa em tradução para a prática tradutória

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Por fim, sob o aspecto da pesquisa em tradução, tive contato pela primeira vez com os Estudos da Tradução ainda durante a faculdade. Essas teorias abordam o processo tradutório sob várias perspectivas e inúmeros pesquisadores já formularam suas visões sobre o tema. Estudar teorias sobre a tradução pode ser útil para ampliar o leque de opções tradutórias, sanar questionamentos e conscientizar o próprio tradutor sobre o não tão simples ato de traduzir.

Com o ingresso no programa de pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Japonesa na Universidade de São Paulo, pude trabalhar com a tradução de contos policiais do escritor Edogawa Rampo. Esse tipo de narrativa é interessante de se traduzir porque trabalha com o jogo de palavras e a criatividade textual, assim como revela as diferenças culturais durante o processo. Cito como exemplo o código contido no conto A moeda de cobre de dois sen. Escrito com ideogramas do nembutsu (recitação budista composta por seis ideogramas, na-mu a-mi-da butsu 南無阿弥陀仏), esses ideogramas se referem à posição dos pontos na célula do Braille japonês e que, por sua vez, traz uma mensagem escrita no alfabeto katakana sobre a localização de uma fortuna roubada. Na tradução, propus recriar esse código, para que o leitor possa decifrá-lo e chegar à mensagem em português.

Após a conclusão do mestrado, pude continuar os estudos na área participando do grupo de tradução na mesma universidade, atividade que tem sido gratificante por oferecer a oportunidade de estudar e discutir com colegas sobre temas que aprofundam os conhecimentos em tradução. Niimi Nankichi, o autor que trabalhamos no momento, é um dos principais escritores japoneses de literatura infantil, mas ainda desconhecido no Brasil. Traduzir seus contos tem sido bastante revelador, pois os temas que ele trata, como as relações pessoais, a solidão e a interação humana com a natureza, para citar alguns, surpreenderam todos os participantes. Analisar a prática tradutória desses contos com embasamento teórico será um exercício bastante válido para compreender os recursos empregados pelo tradutor, assim como para expandir a bagagem cultural de novos tradutores. Também é sob o aspecto da pesquisa que o tradutor tem a oportunidade de produzir traduções comentadas, de tentar esgotar todas as possibilidades tradutórias e dúvidas que surgirem durante o processo. As notas de rodapé, às vezes tão odiadas nas traduções e chamadas de “fracasso do tradutor”, são bem-vindas nesse tipo de produção.

Acredito que minha motivação para traduzir seja a vontade de conhecer, sob diferentes perspectivas, o mundo em que vivemos e tentar trazer um pouco desse conhecimento para os leitores no Brasil. Agradeço pelo espaço oferecido e quero encerrar este relato com uma frase que para mim retrata muito bem o que é o fazer tradutório:

 

“Traduzir é criar ligações, muitas vezes perigosas; é gerar interfaces, tão sujeitas a enganos quanto as dos computadores; é vincular seres humanos entre si, por vezes de modo confrontativo; traduzir é conviver com um desejo que jamais se realiza, é viver na companhia constante da impossibilidade de realizar plenamente o sentido – e no entanto se traduz”. (BENEDETTI, I.; SOBRAL, A. et al. Conversas com tradutores: balanços e perspectivas da tradução. São Paulo: Parábola, 2003.)

 

 


 

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