Stéphanie Havir de Almeida – Dificuldades técnicas
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Todos que trabalham, estudam ou já tiveram algum contato com tradução e versão entre línguas provavelmente já se depararam com a dificuldade de encontrar sinonímias ou se viram no dilema entre traduzir literalmente e traduzir com foco na mensagem que se quer passar, mesmo que para isso seja necessário se distanciar um pouco do texto original.
De minha experiência, posso afirmar que tal dificuldade aumenta exponencialmente quando a tradução se dá entre línguas tão distantes, como o japonês e o português.
Isso porque, além da dificuldade de sinonímias, os ideogramas, como o próprio nome já diz, carregam em si ideias completas, e não se restringem à tradução de palavras exatas.
Em “Eu te disse”, de Taro Gomi, por exemplo, o autor fez uma linda e poética brincadeira linguística ao final do livro, mesclando ideias da mesma palavra e ilustrando bem a temática geral de que os adultos, sobretudo os pais, visam tão somente o bem de seus pequenos e, por isso, os advertem dos perigos da vida.
A brincadeira foi a seguinte: após repetidas vezes em que o adulto advertia a criança e a criança sucumbia aos obstáculos, a personagem, em mensagem subliminar bastante poética, diz a seguinte frase em japonês: 「とびますよ」, do verbo 飛ぶ, que pode significar “saltar” ou “voar”.
Na sequência, a criança aparece em um salto muito alto, parecendo voar, e responde feliz: 「とんだ!」.
Em português, infelizmente, a poesia acaba se perdendo, porque haveria total quebra de sentido na opção pelo verbo “voar”. No caso, embora a tradução tenha sido satisfatória para a mensagem geral do livro, não foi possível trazer toda a riqueza do idioma japonês aos leitores brasileiros.
O mesmo aconteceu com a tradução do título 「わにさん どきっ はいしゃさん どきっ」, no qual a expressão de surpresa 「どきっ」não pôde ser traduzida no título em português, O crocodilo e o dentista, mas apenas no bojo do texto, sendo substituída por palavra no português que expressasse a ideia.
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