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Chef Naoyuki Yanagihara apresenta em São Paulo a culinária tradicional do Japão
Publicado por FJSP em Arte e Cultura 04/09/2015
Em evento realizado nos dias 27 e 28 de agosto, foram apresentados conceitos de tradições milenares e também preparados alguns pratos para demonstração e degustação dos participantes
Para preparar um sashimi, um dos pratos típicos da culinária japonesa bastante apreciado pelos brasileiros, basta cortar pequenas fatias de peixe cru e servir, correto? Esta pergunta, feita por Yo Fukazawa, diretor-geral da Fundação Japão em São Paulo, abriu a palestra Washoku para todos. Realizado em São Paulo, na Universidade Anhembi Morumbi, nos dias 27 e 28 de agosto, o evento foi promovido pela Fundação Japão em São Paulo, e segue para diversas cidades do Brasil.
À frente, estava o chef Naoyuki Yanagihara, vice-presidente da Escola Yanagihara de Culinária Tradicional Japonesa, enviado especial de um programa promovido pela Agência de Cultura do Governo Japonês, em colaboração com o Ministério das Relações Exteriores, que percorre o mundo compartilhando conhecimento sobre a culinária japonesa, explicando, por exemplo, as diferenças entre um peixe cru fatiado e o sashimi.
Muito simpático com o público, Yanagihara, que é autor de diversas publicações sobre o tema e consultor de gastronomia de diversos programas de televisão, deu início ao evento saudando o público de forma a retribuir o interesse de todos que estava ali. “Bom dia, muito prazer”, disse ele com uma excelente pronúncia para quem estava no país havia poucos dias.
Washoku, um patrimônio da humanidade
Já de início, explicou que washoku nada mais é do que sinônimo de culinária tradicional japonesa.
“Em 2013, o Japão recebeu a confirmação da inclusão de mais um item para a sua lista de Patrimônios da Humanidade”, explicou, referindo-se à declaração realizada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), na qual lista patrimônios físicos, bens imateriais ou intangíveis, visando preservar e valorizar manifestações e particularidades culturais ao redor do mundo.
Este é o 22º item na lista de Patrimônios Culturais Intangíveis da Humanidade japoneses, ao lado do Kumiodori, teatro musical de Okinawa, e do Teatro Kabuki. No caso da culinária tradicional japonesa, ou washoku, o objetivo é valorizar os sabores e a sazonalidade dos ingredientes, destacando a importância da tradição em todos os aspectos.
Para o chef, nem mesmo os japoneses se davam conta desta importância até receberem a notícia da nomeação. “A partir daí, passamos a refletir melhor sobre este fato”.
Culinária oriental x ocidental
No ocidente são utilizados muitos condimentos, óleos e gorduras, como o azeite de oliva ou a manteiga. Na França, por exemplo, são utilizados cerca de 200 tipos diferentes de especiarias. No Japão, ao contrário do que muitos estrangeiros pensam, não se come sushi todos os dias. Temos uma grande variedade de pratos, sempre valorizando a água e os produtos fermentados”, explicou.
Segundo Yanagihara, entre os fermentados mais conhecidos estão o shoyu e o saquê, que “só existem graças a micro-organismos”.
Valorizamos muito os alimentos saudáveis e as diferenças entre as quatro estações, criando eventos sociais e pratos específicos para cada uma delas.”
O chef explicou as diferenças climáticas existentes ao longo do território japonês, que tem em seu extremo norte regiões mais frias, como a ilha de Hokkaido, e no sul as mais aquecidas, como a ilha de Kyushu. Também destacou o fato de 70% do Japão ser montanhoso, e apenas nos 30% restantes de planícies é que são cultivados o arroz e as verduras.
Nos períodos de chuvas, por conta das montanhas, explicou, a água flui rapidamente para os rios e mares, fazendo com que tenham água limpa e saborosa em praticamente todo o território. E comparou a extensão dos rios japoneses com os do Brasil.
“Nosso maior rio tem 367 km de extensão, uma grande diferença para o rio Amazonas, não?” Neste momento, riu junto da plateia, visto que o representante brasileiro é o maior do mundo, com quase 7 mil quilômetros de extensão.
Mas rapidamente mostrou que isso não é um ponto negativo, muito pelo contrário. Os japoneses sabem tirar proveito de suas características geográficas: ao reconhecer as quatro correntes oceânicas principais que circulam no país, duas quentes e duas frias, elaboraram grande variedade preparações para os diversos peixes que vivem em cada uma delas, destacando qualidades e benefícios nutricionais próprios.
Da pesca ao preparo
Qualquer que seja o alimento, os japoneses prezam o frescor do peixe e o melhor aproveitamento de cada ingrediente. Diferentes técnicas são utilizadas conforme cada caso. Uma delas, denominada ikejime, consiste em cortar o sistema nervoso do peixe logo após a pesca, de modo a garantir o frescor por mais tempo.
Também estão atentos à conservação deste peixe até o consumo, pensando em todas as etapas até lá. Transporte, manuseio, preparo e até mesmo a faca e escolha da técnica de corte devem estar de acordo com os padrões tradicionais, sem falar nos recipientes, enfeites e acompanhamentos que serão servidos junto do peixe. É também importante manter ao máximo os nutrientes na preparação e aproveitar todo o peixe, inclusive a cabeça, que é utilizada no preparo de caldos e temperos.
A refeição típica e os sabores
Um prato típico japonês é geralmente composto de uma sopa ou caldo, arroz e dois outros pratos, que podem ser um peixe e uma conserva. Assim, estarão presentes todos os grupos alimentares necessários para uma vida saudável: no arroz, o carboidrato; na sopa, sais e minerais; no peixe, as proteínas e vitaminas, também presentes nas verduras e conservas.
Em toda a refeição, é também importante incluir todos os cinco sabores fundamentais: salgado, adocicado, amargo, azedo e umami (うまみ).
Descoberto no início do século 20 pelo cientista japonês Kikunae Ikeda, o umami só passou a ser reconhecido pela comunidade mundial no ano 2000. Segundo o chef, por ser tão recente, é provável que outros sabores ainda sejam descobertos daqui para a frente.
O umami é resultado de uma combinação de glutamato monossódico com moléculas de outros alimentos, tornando o prato mais saboroso, mas ao mesmo tempo trazendo a sensação de saciedade. Este sabor está presente em diversos pratos típicos da culinária japonesa, como o caldo dashi, que inclui alga marinha seca, peixe desidratado e cogumelo shiitake.
Métodos e apresentações
Há cinco principais métodos de preparo dos alimentos: cru, cozido, assado, frito ou a vapor. E entre eles, há também uma hierarquia e ordem correta de saboreá-los.
A hierarquia está relacionada à dificuldade e o risco em oferecer cada alimento, sendo o cru a mais alta. Assim, no caso do sashimi, consumido no Japão há mais de 1300 anos, os cuidados devem ser redobrados.
Não basta simplesmente cortar o peixe e servir. É necessário escolher a técnica mais adequada e também os acompanhamentos e enfeites que estarão ao lado deste peixe”, ensina Yanagihara.
Os principais enfeites, disse, são feitos a partir de pepino, nabo ou cenoura, e no Japão recebem o nome de tsuma, que também tem o significado de ‘esposa’.
O peixe, de maneira figurativa, seria o marido, e só com a combinação perfeita entre o marido e a esposa, ou entre o peixe e seu enfeite, teremos o prato perfeito.”
Esta escolha deve levar em conta também o fator funcional. O chef explicou, por exemplo, que o wasabi, raiz forte japonesa de coloração esverdeada, é também excelente anti-bactericida, enquanto que o rábano (daikon), também conhecido como nabo japonês, auxilia na digestão.
Demonstração e degustação
Após a palestra, foi iniciada a segunda parte do evento, com a demonstração da realização de alguns pratos típicos. Em vídeo, foram apresentados a extração e a secagem do konbu, uma alga típica da Ilha de Hokkaido. Depois, abordou o processo de limpar, cozer, defumar e secar o peixe bonito, que leva de quatro a cinco meses e o reduz a menos de 20% do tamanho original. Quando finalizado, o peixe torna-se o alimento mais duro do mundo, pronto para ser transformado em flocos com o auxílio de ferramentas semelhantes às utilizadas por carpinteiros.
Katsuobushi – o alimento mais duro do mundo
Utilizando o konbu e os flocos do peixe, o chef preparou um autêntico caldo dashi, destacando a importância de não deixar a preparação ferver, e também não mexer a mistura durante o cozimento. Depois de pronto, o caldo foi utilizado no preparo de Yosetamagowan, que recebeu ovos, cogumelos shitake e enfeites feitos à base de cenoura e rábano.
Entre as explicações do chef Yanagihara, destacou a importância de cozinhar o ovo no caldo dashi, e não em água, de modo a manter o sabor e as propriedades nutricionais.
A escolha do recipiente em que devemos consumir o dashi e outros pratos de tigela é também muito importante. O ideal é aquele feito com urushi (laca), um verniz próprio que mantém o calor e não deixa que passe para o lado de fora do recipiente, preservando as mãos na hora do consumo.”
A segunda demonstração foi o sashimi de pargo, um peixe de águas salgadas também encontrado no Brasil.
O chef valorizou a utilização de uma faca adequada e bem afiada. Segundo ele, isso é importante para que não se utilize força na hora de limpar ou fatiar o peixe. “Apertar o peixe faz com que amassemos as suas células, alterando o sabor”.
Por fim, todos os participantes foram convidados a saborear o Yosetamagowan enquanto faziam perguntas ao chef. Muito simpático e solícito, respondeu a todos com muita generosidade e bom humor.
Ao final, a missão do chef Yanagihara foi cumprida. Dali em diante, todos os que puderam assisti-lo passarão a observar a culinária japonesa com outros olhos. Pois cada detalhe, seja o utensílio escolhido, a disposição do prato principal, os acompanhamentos ou os enfeites, tem um significado, uma razão e uma importância para estar ali.
WASHOKU PARA TODOS
Palestra-demonstração com o Chef Naoyuki Yanagihara, realizado no dia 27 de agosto de 2015 na Universidade Anhembi Morumbi (campus Vila Olímpia) e no dia 28 de agosto de 2015 na Universidade Anhembi Morumbi (campus Móoca).
Realização: Fundação Japão, Agência de Cultura e Ministério das Relações Exteriores do Japão.
Apoio: Universidade Anhembi-Morumbi, Chef Shin Koike e Kikkoman.
Excelente matéria.
Aprendi mais um pouco sobre culinária e cultura japonesa.
Parabéns à FJSP.
Kazuo Soki