Felipe Monte – Trabalhando com o que mais se ama: One Piece

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One Piece é pra mim, sem dúvida alguma, o melhor mangá do mundo e talvez a melhor obra de ficção já produzida. Eu realmente AMO One Piece! Eu sigo em êxtase até hoje por poder trabalhar com essa obra fantástica que eu leio semanalmente desde 2003. Naquele tempo, para encontrar os capítulos em japonês, era necessário ficar “cavucando” BBS chinesas. Era bem difícil imaginar que um dia teríamos plataformas digitais oficiais como a Jump Book Store ou o MangaPlus.

 

Foto: Felipe Monte

 

Quando comecei a trabalhar com a série, por eu já ser “conhecido” (com aspas mesmo, muitas aspas) graças a “Romance Dawn” (meu site de One Piece que criei em 2003 que já foi site, blog e hoje é um canal em hiato no YouTube), muita gente achou que eu tinha conseguido o serviço justamente por isso, mas não foi o caso.

One Piece é tão importante na minha vida, que em 2017, quando finalmente tive a oportunidade de visitar o Japão pela primeira vez, fiz com que a viagem girasse em torno da série e das suas comemorações de 20 anos de publicação. Eu consegui produzi-la com a ajuda de uma campanha de financiamento coletivo: uma web-série chamada “Eu, o Japão e One Piece!”. Essa foi uma viagem incrível que eu jamais vou esquecer. Eu ainda tive a felicidade de levar diretamente na Shueisha um pacote de cartas e desenhos de fãs brasileiros e dois desses desenhos figuraram no Volume 89 do mangá!

Ser muito fã da série foi aquele tempero especial que me ajudaria muito a enfrentar essa tarefa, que confesso quase ter recusado mesmo sendo a concretização de um sonho. Assumir uma série que era traduzida pela Drik Sada desde o tempos que ela era publicada pela Editora Conrad ativou com força minha síndrome do impostor. Quem era eu na fila do pão pra traduzir One Piece? Só me restou encarar tudo com coragem e dar o meu melhor e olhando em retrospecto, acredito que fiz e ainda sigo fazendo um bom trabalho que me deixa bem orgulhoso!

Trabalhar com One Piece significa estar sempre sob o escrutínio imenso de leitores que amam essa história e que nem sempre ficam tão satisfeitos com certas adaptações que são feitas na obra. Muitas vezes essa insatisfação vem do fato de já terem lido algo diferente em traduções piratas. Minha filosofia de trabalho com tradução de mangás é sempre tentar adaptar as coisas ao máximo. Não creio que exista nada “intraduzível” e acho que sempre temos alternativas pra passar a mensagem sem deixar as coisas no original. As vezes, isso não é possível por uma série de motivos, mas eu sempre tento.

Como One Piece é um mangá extenso e repleto de personagens marcantes, eu me orgulho bastante de diversas adaptações que fiz durante esses quase 8 anos de trabalho. Seja a espécie de “língua presa” do Hannyabal, o sotaque caipira do Duval, o linguajar infantil dos Tontatta, os pronomes dos Minks, as Tonalidades do Haki e até algumas músicas que aparecem na série que eu gostei muito do resultado (mesmo sabendo que eu nunca vou chegar perto do que a Drik Sada fez com “Um Barril de Binks”).

Pra não ficar só citando exemplos sem entrar em detalhes, vou falar um pouco sobre o processo que me levou a chegar na adaptação do nome de um dos grupos da hierarquia do bando do vilão mais recente da série, os “Seis Magnânimos” que no original são chamados de “Tobi Roppo”.

Um “Tobi Roppo” é um movimento especifico do Teatro Kabuki, uma espécie de saída de palco onde o ator sai de cena fazendo movimentos como se estivesse saltitando. É algo bem específico e inusitado como nome de grupo, mas está totalmente no tema do bando inimigo que usa termos do entretenimento japonês pra nomear seus grupos! Antes, já havíamos sido introduzidos aos “Grandes Astros” e as “Atrações Principais”, que no original, são respectivamente “Okanban” e “Shin’uchi”, ambos termos do usados no Rakugo! Se eu traduzi e adaptei esses termos, porque quando chegasse nos “Tobi Roppo” eu deixaria sem tradução? Seria tão estranho quando decidir manter as nomenclaturas em inglês de outras designações do bando como “Waiters”, “Pleasures”, “Gifters” e quando surgissem os que são chamados de “Numbers” eu optasse por deixá-los como “Números”.

Ao se traduzir mangás, manter certos termos no original poder ser um artifício que nos ajuda bastante (e que muitos leitores gostam). Em uma obra aberta como One Piece as coisas sempre podem se mostrar tendo um duplo sentido posterior (estou olhando pra você mesmo, “Laugh Tale”!). Seria muito mais fácil deixar o termo como “Tobi Roppo” e pronto. Eu me isentaria de tentar adaptar qualquer coisa me arriscando tomar uma rasteira no futuro, mas, não é assim que eu prefiro trabalhar. Portanto, estudei as referências e acho que cheguei em algo que passa um pouco da pompa e extravagância do movimento do Kabuki: Os Seis Magnânimos!

A gente sempre acaba deixando um pedaço da gente no que traduz, e nesses mais de 50 volumes, 3 datafiles e uma coletânea de histórias curtas do autor que já traduzi, gosto de acreditar que quando se trata de One Piece, eu sempre deixo o melhor de mim. Claro que trabalho com a mesma dedicação e carinho em todas as séries que eu faço, mas, One Piece é One Piece.

 

 


 

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