Thiago Nojiri – De consumidor à “botar a mão na massa”

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Acho que finalmente podemos entrar na parte divertida da coisa e o motivo pelo qual fui convidado a fazer este texto (risos). Peço perdão pela longa introdução, mas acredito que ela possa dar mais clareza quanto a alguns pontos que vou tocar.

Pois bem, na Editora JBC, eu ainda não trabalhava como tradutor (ao menos não de forma integral), o meu trabalho era de copidesque, que consistia em checar as traduções terceirizadas com o original japonês, fazer eventuais correções e discutir com a equipe editorial sobre escolhas feitas pelos tradutores freelancers.

E, na verdade, hoje eu vejo como isso foi benéfico para mim do ponto de vista técnico, se comparado à um cenário onde eu teria começado com a tradução logo de início. Digo isso porque, antes de mais nada, tive o prazer de trabalhar ao lado de grandes profissionais do mercado editorial brasileiro, de especialistas no idioma português e, claro, de outros tradutores muito mais experientes. Tudo isso me proporcionou um aprendizado que não eu poderia ter adquirido de forma melhor.

Vamos por partes: sobre o conhecimento no mercado editorial brasileiro, muito do que sei hoje aprendi com o Cassius Medauar, editor-chefe da JBC na época que eu estive lá e atual editor-chefe da Conrad Editora. Para quem conhece, o Cassius dispensa apresentações, mas para os que não estão familiarizados, ele é um profissional que esteve desde os primórdios dos mangás no Brasil e que está sempre na linha de frente de todas as mudanças que acontecem no mercado. Com ele, eu pude aprender coisas que jamais imaginava sobre os mangás no Brasil e foi ele também quem provavelmente mais desmistificou alguns pré-conceitos que eu tinha sobre a produção de mangás por aqui.

 

Da esquerda para a direita: Cassius Medauar, Leo Kitsune, Denis Takata, Thiago Nojiri e Marcelo Ramos Rodrigues.

 

A segunda parte: os especialistas na língua portuguesa. E aqui acho que vai a minha primeira ressalva mais técnica sobre a tradução – para mim, é mais importante o tradutor ter um domínio mais-do-que-pleno do idioma-destino do que o domínio no idioma-origem; no caso, um tradutor de japonês no Brasil tem que ser, mais do que um grande conhecedor do idioma japonês, um excelente escritor em português.

Essa lição eu aprendi da pior forma, porque eu era o clássico otaku preciosista que achava que muitas coisas eram intraduzíveis e que o importante era manter a fidelidade ao original o máximo possível. Mas não. Começando pelo próprio Cassius, todos os profissionais da língua portuguesa que pude ter contato na JBC, sejam revisores ou preparadores de texto, me provavam o contrário, e me provavam porque os textos que eles entregavam eram realmente melhores. Eram todas pessoas tão apaixonadas por quadrinhos quanto eu, mas que tinham o domínio em uma técnica que eu não tinha: o português.

Então, se uma pessoa aspira ser tradutora de japonês (imagino que para outras línguas valha o mesmo, mas a minha expertise é no japonês), o meu primeiro conselho é sempre esse: domine plenamente o português, porque é em português que as pessoas vão ler. O japonês você pode dar um Google, usar um dicionário ou perguntar para outros se tiver algo que desconhece, mas o português precisa estar perfeito.

Por fim, a terceira parte: os outros tradutores mais experientes. E isso pode soar como eu estar puxando sardinha para o meu lado e até encontrar discordância por parte dos colegas tradutores, mas… Eu, Thiago, acho traduzir mangás (ou animês) tão ou mais difícil do que outros materiais. Claro, supondo que a tradução seja realmente bem feita, como são as traduções da Drik Sada, por exemplo.

Em um primeiro momento, a nossa reação natural é pensar: “ah, mas traduzir gibi é facinho, só tem frases de efeito, não tem tanta complexidade”. Eu também pensava assim. Isso, até ter um contato mais próximo com profissionais que estavam fazendo isso há dez, quinze, vinte anos e, mesmo assim, quebrando a cabeça por cada balãozinho, fazendo extensas pesquisas, perguntando aos outros como eles acham que fica melhor, e por aí vai.

Até que uma ficha dentro de mim caiu, enquanto eu revisava um dos materiais enviados pelos tradutores (e aqui me perdoem a ligeira paráfrase a Sócrates): quanto mais se traduzia, mais ficava difícil de traduzir, porque o tradutor não se contentava mais com o que era o “suficiente” antes, e que traduzir mangás era muito mais profundo do que as aparências mostravam.

Então, eu, como alguém que nos primeiros anos só fez o copidesque do trabalho de outros que já tinham passado por isso, absorvi muita coisa de diferentes tradutores e tradutoras, cada um com uma personalidade e solução única para cada situação. Por isso, talvez nenhum dos colegas tradutores que tive o prazer de trabalhar junto saiba, mas eles foram os meus senseis (in)diretamente.

 

 


 

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