Thiago Nojiri – A paixão, a frustração, e a paixão de novo

Tradução em Foco > A paixão, a frustração, e a paixão de novo

 

Mesmo depois que voltei para o Brasil, o meu “vício” pelos mangás continuou firme e forte. Na verdade, mais forte ainda, porque era uma forma de eu matar a saudade do Japão.

Por sorte, na época (cerca de 2005), o acesso à internet banda larga já era relativamente difundida e eu podia ler os mangás japoneses pela internet (obviamente de forma ilegal) e foi também a época que eu mais li mangás na minha vida toda, incluindo o período que passei a trabalhar com isso.

Eu lia de forma incansável, como se quisesse preencher uma lacuna. Hoje, depois de adulto, consigo ver que era literalmente isso: uma conexão que um adolescente criado no Japão encontrou com o país onde cresceu, pois agora estava em um lugar alienígena e sem os mesmos amigos de antes.

Li todos os shounens clássicos, li shoujos, li autores consagrados como Osamu Tezuka, Shigeru Mizuki e Fujio Fujiko, li obras mais desconhecidas e até questionáveis… Enfim, foi um período que realmente posso dizer que mergulhei de cabeça nesse mundo e que me fez ser um otaku de carteirinha.

 

Mangás da Biblioteca Fundação Japão. Foto: FJSP

 

Mas com o tempo, naturalmente, o ritmo foi desacelerando, afinal, fui fazendo amizades, encontrando outros hobbies, tinha que estudar para as provas e principalmente para o vestibular. No tempo que entrei para a Faculdade de Direito da PUC-SP, o hábito de leitura de mangás tinha se tornado apenas casual, onde eu lia apenas as obras que já acompanhava e que não tinham terminado e/ou obras esporádicas que me chamavam atenção.

Não quero me alongar muito aqui, mas pelo menos no meu caso, o período entre os dezessete a vinte e poucos anos foram bem turbulentos, no sentido psicológico. Eu acredito que a escolha de uma carreira (leia-se: o curso a prestar na faculdade) é algo muito difícil para um ser humano tão jovem, ao menos eu só escolhi o Direito pela “promessa de uma carreira estável”. Não era exatamente algo que eu tivesse vontade de fazer, só fiz a escolha porque era a hora de fazê-la.

Infelizmente, essa escolha não saiu do jeito que o jovem Thiago previu e, lá pelo seu terceiro ano de faculdade, ele encontraria sérias angústias quanto ao presente e sobretudo quanto ao futuro.

Foi justamente nessa época, então, que eu comecei a sondar alternativas de carreiras para além da área jurídica. Uma amiga minha de classe sugeriu que eu fizesse o exame de proficiência em língua japonesa (JLPT), dizendo que poderia ser útil ter algo que atestasse o meu conhecimento no idioma e que ele pudesse expandir o meu leque de opções.

E assim, com o certificado N1 nas mãos, eu finalmente decidi que iria trancar a faculdade para buscar fazer aquilo que me desse prazer. Ah! Mas antes, uma curiosidade que sempre gosto de contar é que, embora o meu nível de japonês tivesse “estacionado” no Ensino Fundamental, eu continuei estudando o idioma por um tempo e, principalmente, a leitura incessante de mangás ajudou muito para que eu pudesse evoluir até o nível suficiente para passar no N1. Sei que é um clichê e eu mesmo não gosto de recomendar apenas este método de forma isolada, porém é inegável que os mangás e animês são grandes aliados no aprendizado do japonês.

Bem, voltando: além do meu gosto pelos mangás, eu, como um nipo-brasileiro crescido no Japão, também sempre tive bastante simpatia e conhecimento sobre a cultura japonesa no geral, desde as mais tradicionais como a cerimônia do chá, a culinária ou o teatro , até as coisas mais recentes, como a imigração e o pós-Guerra. Diante disso, o meu plano inicial era tentar entrar para a área cultural, onde eu pudesse me valer do meu conhecimento em japonês fazendo aquilo que eu sempre gostei.

Contudo, (in)felizmente, esse tipo de área era muito mais restrito do que eu imaginava e a atuação em si costuma ser periódica, geralmente focando em eventos. Por isso, quase que como uma última opção, eu finalmente “apelei” para os mangás.

Pensei comigo mesmo: “eu sou um otaku, amo mangás e certamente não estou sozinho nessa; alguém no Brasil deve estar traduzindo e lançando oficialmente no Brasil”. Com esse pensamento, eu abri o Google e fui pesquisar o mangá que mais tinha me marcado na época: Death Note. Para a minha alegria, descobri que Death Note já tinha sido lançado no Brasil de forma oficial pela Editora JBC, e no instante seguinte eu estava imprimindo o meu currículo para deixar na porta deles.

Alguns meses depois, o responsável pela área de tradução na JBC entraria em contato comigo oferecendo a oportunidade de trabalhar com eles, dando início à minha carreira no mercado de mangás brasileiros em setembro de 2012.

 

 


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