Drik Sada – O espaço da tradução

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Nos últimos anos, traduzi para a Editora Pipoca & Nanquim, mangás que fazem parte do Projeto BD (Bande Dessinée) do Museu do Louvre, na França (11). Trata-se de uma coleção de histórias em quadrinhos de autores de diversas nacionalidades, convidados a criar histórias exclusivas para o museu, todas seguindo o tema “O Louvre” (12). Dentre os autores convidados, destacam-se japoneses renomados como Jiro Taniguchi, Taiyo Matsumoto, Naoki Urasawa e Hirohiko Araki. Até agora, tive a felicidade de traduzir dois, o Guardiões do Louvre, de Jiro Taniguchi (2018) e Rohan no Louvre, de Hirohiko Araki (2020) (13).

 

 

A iniciativa é resultado de um movimento que já vem acontecendo há uma década, desde que o museu francês reconheceu as HQ, os comics e os mangás como a “Nona Arte”, herdeiros do DNA dos clássicos, da tradição das narrativas gráficas, que já existiram em outras épocas da história da arte (14). Isso alçou o mangá a um novo patamar aos olhos dos ocidentais.

Foi providencial que esses mangás tenham chegado ao Brasil pela Pipoca & Nanquim, nesse formato luxuoso. Pois a editora já possuía um público cativo de leitores de comics americanos e europeus que, em muitos casos, não conheciam ou rejeitavam os quadrinhos japoneses por alguns estereótipos. Ao servir como catalisadora desses dois universos – o dos quadrinhos ocidentais e dos orientais – a Pipoca & Nanquim, certamente, contribuiu para expandir o mercado para ambos os lados.

 

 

Por isso, na tradução que ofereço às obras da editora, tento me aproximar da linguagem dos comics europeus, a fim de facilitar a assimilação por esse novo público, puxando algumas onomatopeias e interjeições típicas desses quadrinhos. Mantenho o texto fluído, reservando os termos japoneses e informações do Japão para os glossários, permitindo ao leitor resgatá-los apenas se tiver curiosidade.

Outro mangá que se destacou para mim, neste ano de 2020, é o Dementia 21 de Shintaro Kago, publicado pela Editora Todavia (15). Quando o editor André Conti me contatou, disse que seria o primeiro mangá da editora, mas o trabalho deles já saiu com uma excelência ímpar. Com eles, pude participar de todo o processo de edição, da revisão à prova, com idas e vindas do material. Brinco que foi um “trabalho de alfaiataria”, junto com o zeloso editor Mario Santin. Dementia 21 foi um raro caso em que as onomatopeias puderam ser retocadas na edição brasileira, pois não eram um elemento necessariamente integrante da arte. A tarefa foi realizada pela caprichosa e paciente letreirista Marcela Fehrenbach, que conseguiu manter a naturalidade ao longo da obra.

Dementia 21 chegou a ser citado na Folha Ilustrada de junho deste ano (16).

 

 

Como tradutora, também tive a oportunidade de assessorar o escritor José Santos, num livro da Turma da Mônica, publicado pela Melhoramentos e Maurício de Sousa Produções, chamado Uma Viagem do Brasil ao Japão (17). De início, a minha função era apenas traduzir algumas palavras do português para o japonês, para serem incluídas no meio do texto, a termo de curiosidade. No entanto, durante o processo, numa brincadeira entre eu e José, fui apresentando pequenas rimas misturando japonês e português, coisa que o agradou e me rendeu todo o espaço do rodabraço do livro, para publicá-las.

 

 

Outro livro que não é exatamente um mangá, mas tem o gene dele, por ter uma narrativa ilustrada, é o 100 Vistas de Tóquio de Shinji Tsuchimochi, publicado pela Editora Estação Liberdade (18). A minha contribuição para esta obra foi com a pesquisa de notas de rodapé, que se fazem necessárias quando há muitos elementos culturais embutidos na ilustração, sem uma explicação explícita no texto original. É um desses casos em que a tradução serve para realçar o que passaria despercebido para o leitor de destino, por questões culturais.

 

 

Muitos clientes costumavam me chamar somente no final dos projetos, exclusivamente para traduzir o texto de uma língua para outra. Mas, depois de demonstrar que o tradutor é um pesquisador por natureza e que pode oferecer muito, desde o início do planejamento, com levantamentos na língua nativa, por exemplo, sinto que o meu espaço de atuação como profissional se ampliou muito.

Acredito que cabe a cada um captar as necessidades do cliente e oferecer o que pode enriquecer o projeto ou a obra, em questão.

 


 

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