Drik Sada – Regentes da tradução
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Sem os ávidos otakus brasileiros (aqui, uso como sinônimo de fãs da cultura japonesa), talvez não houvesse demanda para tradutores de japonês no mercado de mangás do Brasil.
A exigência desses consumidores por um produto mais puro, sem interferência de outra cultura, fez com que as editoras procurassem fornecedores que fizessem a tradução direto do japonês. Por isso, nos mangás dessa época inicial, eu procurava fazer uma tradução mais literal, resgatando palavra por palavra, para facilitar ao leitor identificar as equivalências entre as línguas, fiz questão de manter termos como senpai e os honoríficos -san e -chan, porque a opinião da época dizia ser o charme e a identidade do mangá japonês. Traduzia as piadas literalmente, com explicações em notas de rodapé. Isso tirava completamente o timing do riso, mas satisfazia quem queria entender o repertório cômico japonês. A tradução ficava parecendo uma grande cartilha da cultura japonesa, mas era uma demanda do consumidor que, assim, atendi.
Graças a esses consumidores iniciais, os mangás conquistaram um lugar cativo nas prateleiras das grandes livrarias e lançou o tal do “quadrinho japonês” aos olhos de outros consumidores, que não eram tão aficionados pela cultura japonesa, mas ficaram curiosos.
Um exemplo é a Coleção L&PM Mangá, que traz clássicos da literatura em formato quadrinizado. Em edição pocket, eles estão sempre em posição privilegiada nas livrarias, naqueles totens da editora L&PM, à mão de qualquer leitor mais eclético.
No entanto, entregar um mangá nas mãos de alguém que não tem familiaridade com quadrinhos em geral não é tão fácil, assim. O mangá exige uma “alfabetização” especial do leitor, já começando pela orientação do volume, que é de “trás pra frente”. O novo leitor precisa aprender a distinguir balões de fala, de ênfase, de pensamento; reconhecer os símbolos pictóricos de raiva, desespero, alegria; entender gestuais típicos dos japoneses, de cumprimentos a atitudes; se acostumar a seguir o fluxo dos balões da direita para a esquerda; assim como a sequência dos quadros, identificando movimento, pausa, passagem de tempo… São muitos elementos que nem sempre são tão instintivos, assim.
Então, a minha tradução também teve que mudar, para facilitar, agora, a leitura desses consumidores. Passei a adaptar mais o texto e não usar honoríficos, a não ser que fossem estritamente necessários para o entendimento da história, ou fosse uma diretriz absoluta da editora. Enfim, fazia um texto mais fluído, em que o leitor não precisasse parar a toda hora para assimilar japonismos, isso, sem perder a essência original.
Hoje em dia, a gama de consumidores diversificou bastante, abrangendo muito mais do que otakus e estudantes de japonês. As crianças que liam Dragon Ball cresceram e estão procurando a mesma emoção em novas leituras. Pode ser que, em algum momento, a tradução mais literal volte a ser exigida em alguns títulos, nunca se sabe. E, eu pretendo manter a mente flexível e a postura aberta para atender a qualquer dessas demandas, regidas, sempre, pelos consumidores de cada época.
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